SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Assembleia Geral de Credores (AGC) da Americanas, que está sendo realizada de maneira online desde as 14h desta terça (19), propôs deságios aos fornecedores que vão de 50% a 80% da dívida, para pagamento entre quatro e 20 anos. Para detentores de opções em ações (stock options), o desconto proposto foi de 93%. Os credores também devem se comprometer a não processar a empresa.
Por outro lado, os principais acionistas da empresa, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, hoje detentores de 30,1% da empresa, deve aumentar sua participação para 46% ou 49,3%, a depender do resultado do aumento de capital.
O plano envolve o aumento de capital da companhia via emissões de novas ações. Serão R$ 12 bilhões para os principais acionistas e até R$ 12 bilhões para os bancos, totalizando uma injeção de R$ 24 bilhões na varejista.
A varejista alterou a cláusula que estabelece o preço de emissão das novas ações, uma atualização feita na madrugada desta terça. O valor da ação será calculado com base no critério de 1,33 vezes o preço médio ponderado por volume de negociação das ações ordinárias nos 60 dias antes da véspera da data da aprovação do plano.
Se o plano for aprovado nesta terça-feira, o preço será de R$ 1,30 por ação. Há uma grande expectativa entre os bancos e a própria direção da Americanas, além do trio de principais acionistas, que o plano seja aprovado.
FORNECEDORES COM MEDO DE NÃO RECEBEREM
Camille Faria, principal executiva de finanças e diretora de relações com investidores da companhia, apresentou o plano de recuperação judicial. Como foram indicadas mudanças em várias cláusulas do plano nesta terça -fato que pode gerar pedido de suspensão por parte dos credores-, o administrador judicial promoveu uma votação na assembleia, para saber quem concordava de antemão em suspender a reunião.
Neste caso, uma nova assembleia seria realizada em 22 de janeiro. Pela enquete, apenas 10,85% concordaram -percentual que considerou a relevância pelo total das dívidas. Ou seja, os bancos, os grandes credores da empresa, estavam interessados em aprovar o plano no dia.
Mas havia uma grande quantidade de credores que estavam, sim, dispostos a postergar a assembleia, para conseguir entender melhor as condições do plano. Especialmente entre os fornecedores, cujos representantes legais na assembleia se mostraram apreensivos em relação às condições de pagamento.
Entre os fornecedores dispostos a adiar a votação para janeiro, estavam Procter&Gamble, Motorola, Estrela e SAP. Entre os que desejavam manter a assembleia, todos os grandes bancos credores, como Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e BTG.
Até as 19h, cerca de 300 perguntas por parte de credores estavam na fila para serem feitas. O administrador judicial, no entanto, selecionava parte das questões que considerava mais relevantes.
O encontro está sendo conduzido pelos administradores judiciais Bruno Rezende, sócio do Preserva Ação Administração Judicial, e Sérgio Zveiter, do Zveiter Escritório de Advocacia, com a participação de Camille Faria.
A assembleia ocorre com a presença maciça de credores quirografários (sem garantias), que representam 97,36% da dívida da Americanas. Para instalação da assembleia, era necessária a presença de credores que somavam ao menos 50,01% da sua dívida, da ordem de R$ 42,5 bilhões.
Os credores das Classes 1 (trabalhistas) e 4 (micro e pequenas empresas) não participaram da assembleia geral de credores, uma vez que ambos não tiveram suas condições de pagamento alteradas. Dessa forma, não foram considerados para quórum e não votaram. Das dívidas com essas classes, que somavam R$ 263,1 milhões, ainda faltam pagar R$ 148,6 milhões, que serão quitados 30 dias após a homologação do plano.
A empresa também prevê no plano R$ 2 bilhões para pagamento de credores financeiros por meio de mecanismo de leilão reverso e R$ 6,7 bilhões para aqueles que optarem por receber antecipadamente, mas com forte desconto.
‘PRAGMATISMO’ NA NEGOCIAÇÃO ENTRE TRIO E BANCOS CREDORES
A Folha apurou que os ânimos por parte dos bancos, os grandes credores da varejista, até do Safra, que se mostrava até então o mais belicoso, arrefeceram. Uma fonte ligada ao mercado financeiro disse, em condição de anonimato, que um acordo que dê sobrevida à Americanas é um resultado favorável para todos. Para os bancos, ficou claro que a culpa pela fraude contábil de R$ 25 bilhões está com a antiga diretoria, disse.
Quanto ao possível envolvimento de um dos principais acionistas, Beto Sicupira, o personagem do trio de bilionários do 3G que sempre esteve à frente da Americanas, o episódio deixou algum ressentimento, mas houve pragmatismo tanto por parte dos credores quanto do trio para resolver a questão, segundo a fonte.
Sicupira, inclusive, deve arcar sozinho com um aporte de R$ 6 bilhões dentro dos R$ 12 bilhões, como penalidade, seja por omissão, seja por envolvimento, afirmou.
Para os bancos, disse, agora a empresa é viável, porque foi contabilizada com quase R$ 30 bilhões, entre conversão de dívida e dinheiro novo.
Em recuperação judicial desde 19 de janeiro deste ano, a Americanas soma dívidas de R$ 50,1 bilhões. Mas neste valor estão os créditos intercompany (de companhias do próprio grupo). Retirando essas empresas da conta, o valor das dívidas soma R$ 42,5 bilhões. Excetuando os credores das Classes 1 e 4, o valor chega a R$ 42,4 bilhões.
Na visão de fontes do mercado financeiro e empresarial que acompanham o caso, e têm ou tiveram relações comerciais com a Americanas, que também falaram em condição de anonimato, a empresa tem pressa em colocar panos quentes sobre o caso, para que o episódio da fraude contábil caia no esquecimento.
Segundo essas fontes, estaria articulada uma estratégia do ponto de vista político para acelerar a aprovação do plano e escapar de qualquer julgamento na esfera criminal.
A Americanas refutou essas alegações e disse ser “a maior interessada no esclarecimento dos fatos, inclusive na esfera criminal, e que irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.”
DANIELE MADUREIRA E JÚLIA MOURA / Folhapress