RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Há uma década, o mundo da música perdia um de seus ícones mais carismáticos e populares: Reginaldo Rossi, conhecido como o Rei do Brega. Sua morte, ocorrida em 20 de dezembro de 2013, deixou uma lacuna na cultura musical pernambucana e brasileira que ainda ressoa entre seus fãs e admiradores.
Nascido em 1944, no Recife, Reginaldo Rodrigues dos Santos iniciou sua trajetória musical na década de 1960, sob influência da Jovem Guarda com canções de rock. Anos depois, sua mistura única de músicas românticas com ritmos dançantes rapidamente cativou o público e o alçou ao estrelato no brega.
O cantor inicialmente não gostava de ser classificado como cantor de brega, mas depois se rendeu ao ritmo que o consolidou na música.
Reginaldo Rossi conquistou os corações de gerações inteiras. Músicas como “Garçom”, “Leviana”, “A Raposa e as Uvas” e “Em Plena Lua de Mel” se tornaram hinos de festas e reuniões de amigos e famílias.
Suas músicas narravam histórias do cotidiano, relacionamentos e desilusões amorosas. Entre as principais características das canções de Reginaldo Rossi estava a ação do homem como protagonista, desilusões amorosas, traições e até mesmo as dificuldades em superar o fim de uma história de amor, bem como o renascimento dos laços afetivos.
“Há três modos de pensar Rossi esteticamente, que são a partir do melodrama, que é algo bastante latino-americano, sobre essas questões da traição, do chifre, da dor, do romantismo e tal; da carnavalização, ou seja, de como ele propõe uma certa inversão de valores e de uma valorização dessa inversão de valores a partir da festa; e do popular bastardo, que é esse popularesco que ele brinca e ele nunca deixou de se afastar”, afirma o publicitário Rafael Andrade, autor do livro “Centenas de Casos de Amor: As Performances do Brega em Reginaldo Rossi”.
Sob influência da Jovem Guarda, uma das inspirações do cantor era Roberto Carlos. Enquanto o capixaba é tido como o Rei em âmbito nacional, Rossi é chamado de Rei do Brega em Pernambuco, uma alcunha que persiste até os dias atuais. Pessoas que conviveram com o pernambucano diziam que ele externava que era uma versão regional de Roberto Carlos.
“Reginaldo foi mais que o Rei do Brega, ele continua fazendo parte de uma vitrine de música popular brasileira. Ele vai além de rótulos, passou pela música romântica, a música advinda da França, transitou pelo rock and roll, Jovem Guarda”, diz o cantor Silvério Pessoa.
A música mais famosa de Rossi foi “Garçom”, com a qual ele decolou ao atingir diversos públicos nos anos 1980, após voltar de um período onde morou no Rio de Janeiro. “Ele fez essa música por brincadeira para o cantor Luiz Carlos Magno, mas esse cara não gravou, e ele gravou, e a música estourou”, afirma o jornalista José Teles, que acompanhou a carreira do artista.
Outra marca é a divulgação de locais pelos quais tinha identificação e raízes, como o Recife e a Ilha de Itamaracá, na região metropolitana da capital. A maior cidade de Pernambuco teve uma música do Rei do brega para si: “Recife, minha cidade”.
O cantor também tinha admiração pelos ritmos de países do Caribe e de Cuba e reproduzia músicas desses locais americanos nas suas apresentações no Brasil. Fez apresentações ao lado da antiga banda Calypso.
Mesmo com o sucesso estrondoso, Reginaldo se mantinha próximo às pessoas. Era comum vê-lo interagindo com seus fãs, inclusive nas ruas do Recife.
O cantor foi criado no bairro dos Coelhos, área central do Recife, que hoje tem uma praça com seu nome. Além disso, o centro da cidade tem uma estátua com a imagem dele.
As gravações de discos e DVDs de Rossi eram feitas em espetáculos ao vivo, com músicas intercaladas a momentos de conversa e desabafo com o público. Em geral, ele usava óculos de sol e uma camisa com parte dos botões abertos.
Nos últimos shows, uma característica de Reginaldo Rossi deu indicativos de que havia algo diferente com o Rei do Brega. “Nos últimos quatro shows, ele estava sentando, coisa que ele nunca fez. Comentei e ele disse que estava cansado. Reginaldo era meio manhoso. Podia ser que ele estava sentindo algo e não dizia”, afirma Sandro Nóbrega, que foi empresário de Rossi durante 24 anos e atualmente é administrador da banda The Rossi, que faz tributo ao cantor.
Dias depois, Reginaldo Rossi foi internado após um mal-estar. Sua morte, aos 69 anos, devido a complicações de um câncer de pulmão, deixou os fãs em luto. O câncer foi constatado apenas duas semanas antes da sua partida. Ele deixou um filho e a esposa, que morreu oito meses depois.
A passagem de Rossi deixou um legado e continua a influenciar artistas e a emocionar pessoas de todas as idades.
A banda The Rossi fez mais de 85 shows em 2023 e se apresenta em eventos públicos e privados, como casamentos e aniversários, com canções de Reginaldo. O empresário Sandro Nóbrega é casado com a sobrinha de Rossi e conviveu com o artista por 25 anos.
Segundo o amigo, Rossi era uma pessoa simples e que, apesar de ter despontado com a música “Garçom”, não gostava de bebidas alcoólicas. Além disso, era refratário a injustiças. “Essa fama dele é terrível, porque eu chegava na casa dele e não tinha cerveja, mas todo mundo achava que ele bebia muito. Ele não gostava de injustiça e preconceito em relação ao Nordeste.”
Outro grupo que faz alusão ao cantor até os dias atuais é a banda Sir Rossi, que reúne amigos do cantor e artistas locais.
Na política, Reginaldo Rossi participou dos chamados showmícios, proibidos atualmente. Nos anos 1980 e 1990, Rossi cantava em shows para políticos ligados a partidos de esquerda. O cantor foi além, e se candidatou a deputado estadual nas eleições de 2010 em Pernambuco pelo PDT. Obteve 14,9 mil votos, mas não se elegeu.
Em 2024, o artista será o homenageado do Galo da Madrugada, o principal bloco de Carnaval do país. O anúncio foi feito em agosto deste ano. Haverá carros alegóricos em alusão à trajetória do cantor, além de diversas canções proferidas pelos artistas que estarão nos trios elétricos do evento.
Desde 2018, o Dia do Brega no Recife é celebrado no dia 14 de fevereiro, data do aniversário de Reginaldo Rossi. Nos últimos dez anos, o ritmo ganhou mais espaço na cena cultural local e também teve adaptações e reforço das raízes. Atualmente, o brega é patrimônio imaterial do Recife. Uma proposta em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Pedro Campos (PSB-PE), pretende expandir a data comemorativa para o âmbito nacional.
“Ele foi o primeiro cantor do movimento a não ter vergonha das suas raízes. Antes, a gente sempre sofria algum tipo de preconceito, mesmo que camuflado”, avalia a cantora de brega Michelle Melo.
JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress