SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O cinema brasileiro vai tentar se recuperar em 2024 com uma aposta alta na nostalgia, o mesmo motor que moveu Hollywood este ano, enquanto aguarda o presidente Lula (PT) sancionar a recriação da cota de tela para obras nacionais nas salas e o governo regulamentar e definir regras para o funcionamento do streaming.
Com sequências para sucessos como “O Auto da Compadecida” e “Nosso Lar” no calendário, o setor segue uma onda mundial. Os filmes de heróis, que viram sua decadência com “As Marvels”, perderam espaço para novos líderes de bilheteria, com “Barbie” e “Super Mario Bros.”, seguidos do drama histórico “Oppenheimer” em terceiro lugar mundial.
As discussões sobre regulação do setor também devem avançar. No exterior, as greves de Hollywood protegeram os profissionais do crescimento das inteligências artificiais e conquistaram direitos a lucros sobre audiência.
O cinema nacional, historicamente sufocado pelo conteúdo estrangeiro, abre o ano perseguindo o sucesso, com uma sequência de lançamentos que podem se permitir sonhar em alcançar a marca de um milhão de espectadores -número que se tornou difícil desde a morte do comediante Paulo Gustavo, que levou mais de 11,5 milhões de pessoas ao cinema com “Minha Mãe É Uma Peça 3”, de 2019.
É um sentimento que já marca a última semana de 2023, com duas estreias de peso. “Mamonas Assassinas”, sobre a banda de fim trágico que entrou para a história com poucos meses de sucesso, surfa na tendência de nostalgia e números musicais que cravaram o sucesso de filmes como “Barbie”.
Do outro lado, há a comédia romântica “Minha Irmã e Eu”, um gênero querido no país, protagonizada por dois personagens incontornáveis da televisão -Ingrid Guimarães, mais notável no cinema por arrastar multidões com os três títulos de “De Pernas Para o Ar”, e Tatá Werneck, que, além do talk show “Lady Night”, está em evidência na novela “Terra e Paixão”.
Haverá continuações nostálgicas do início ao fim do ano. “O Auto da Compadecida 2”, que estreia no próximo mês de dezembro, recupera Selton Mello e Matheus Nachtergaele como João Grilo e Chicó para uma trama que se passará 25 anos depois da original, já sem a pena de Ariano Suassuna. Fernanda Montenegro, que viveu Nossa Senhora, precisou sair do elenco e será substituída por Taís Araújo.
Antes, em janeiro, chega aos cinemas “Nosso Lar 2: Os Mensageiros”, sequência do filme baseado em uma psicografia de Chico Xavier pelo espírito André Luiz que levou 4 milhões de pessoas aos cinemas em 2010.
Após o sucesso de “Turma da Mônica: Laços” em 2019 e da sequência “Lições” em 2021, com 2,8 milhões de espectadores somados, mais duas obras da Maurício de Sousa Produções estão previstas para 2024.
“Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, que sai já em 18 de janeiro, pretende ser o primeiro filme de uma quadrilogia voltada para um público um pouco mais velho que o das produções anteriores. Com um inesperado leilão do Museu do Limoeiro, a turma decide se unir em uma missão para tentar salvá-lo, enquanto descobrem histórias secretas do bairro.
“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”, de tom mais infantil, ainda não ganhou uma data de estreia, mas suas filmagens já terminaram, e o filme estrear em 2024. Com Isaac Amendoim no papel principal, a trama acompanhará Chico e seus amigos tentando salvar a goiabeira de Nhô Lau da ganância do malvado Agripino. Ainda deve ser finalizado neste ano um filme biográfico de Maurício de Sousa.
Entre os lançamentos do segundo semestre está ainda a sequência de “Estômago”, sucesso de crítica e bilheteria de 2008 dirigido por Marcos Jorge, sobre o cozinheiro divagador Raimundo Nonato. A nova trama vai se passar 15 anos depois da original e mostrará a vida do personagem durante e após a prisão.
O Senado votou nesta terça-feira o PL 5.497/19, que recria a cota de exibição para filmes brasileiros, com validade até 2033. O projeto determina que as salas de cinema e outros espaços de exibição sejam obrigadas a exibir uma quantidade mínima de longas brasileiros, segundo critérios da Agência Nacional de Cinema, a Ancine. A cota existia até 2021, quando expirou a medida provisória que a garantia.
Há uma expectativa de que, uma vez que Lula sancionar a lei, o Ministério da Cultura, sob direção de Margareth Menezes, amplie o diálogo com os cinemas, que se dizem desamparados pelo poder público enquanto ainda sofre os efeitos da pandemia.
Em paralelo, a decadência das salas de cinema não tem previsão de respiro. Tanto o Cine Marquise como o Belas Artes, duas das principais salas do circuito alternativo em São Paulo, perderam seus patrocinadores e correm o risco de fechar caso não encontrem novos apoiadores.
O anexo do Espaço Itaú de Cinema da rua Augusta também enfrenta uma fase turbulenta desde que seu prédio foi vendido para a incorporadora Vila 11, que pretende construir um prédio comercial. A sede do cinema, a princípio, continuará funcionando.
No exterior, há mais esperança. Hollywood deve colher os frutos das históricas greves dos roteiristas, que ficaram parados por 148 dias este ano, e dos atores, que paralisaram suas atividades por 118 dias.
Entre as conquistas, estão o pagamento de bônus aos profissionais pela audiência das obras e a regulação do uso de inteligências artificiais. Estúdios e serviços de streaming são agora obrigados a informar os roteiristas quando decidirem usar a tecnologia. As companhias também estão proibidas de obrigar os trabalhadores a usar a ferramenta.
Um dos primeiros reflexos disso foi a abertura, na semana passada, dos dados da Netflix, que deve passar a compartilhar relatórios semestrais de audiência, atenuando sua fama de caixa-preta. Outras plataformas devem seguir esse movimento -o que pode ajudar vários países, incluindo o Brasil, a ter mais poder de barganha e exigir seus direitos no cenário internacional.
DIOGO BACHEGA / Folhapress