SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2023, tomamos consciência de que a Covid-19 veio para ficar. Já não se trata de uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, porém permanece sendo uma pandemia.
“Não vivemos mais naquela situação trágica dos três primeiros anos, mas o Sars-CoV-2 continua circulando e causando mortes. Ainda é uma doença que tem impacto”, diz Alexandre Naime Barbosa, professor de medicina na Unesp e vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
Nos últimos meses, o Sars-CoV-2 alterou a circulação de outros vírus respiratórios o que provocou surtos fora de época e pressionou hospitais, desencadeou novos problemas de saúde em milhões de pessoas e desafiou governos, famílias e cientistas.
No Brasil, descobrimos que informações sobre a pandemia foram escondidas da população e registramos a triste marca de 700 mil óbitos pela doença, um luto que continua reverberando na vida de pais e filhos das vítimas.
As perdas, noticiadas pelo agora extinto consórcio de veículos de imprensa, seriam ainda maiores sem as vacinas. Os imunizantes vêm sendo atualizados conforme o surgimento de novas linhagens do vírus, algo possível graças à pesquisa dos ganhadores do Nobel de Medicina deste ano.
NOVAS SUBVARIANTES
A identificação de uma nova subvariante do coronavírus em janeiro assustou a OMS. Chamada de XBB.1.5, ela foi considerada pela entidade como a mais transmissível até aquele momento e levou a um aumento de casos nos Estados Unidos.
No Brasil, porém, o crescimento foi associado à subvariante XBB.1.16, de perfil semelhante ao da XBB.1.5 e também descendente da XBB, uma linhagem da variante ômicron. O primeiro caso em São Paulo foi confirmado no início de maio e logo os médicos perceberam um sintoma diferente dos observados nas cepas anteriores: conjuntivite.
Outras linhagens descendentes da ômicron foram identificadas nos meses seguintes. Em agosto, a EG.5 ganhou a atenção da OMS após se espalhar pelos Estados Unidos e pela China. Dias depois, a França anunciou a alta das infecções, dessa vez pela subvariante EG.5.1, uma variação da EG.5.
Ainda em agosto, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano rastreou uma nova linhagem do vírus, a BA.2.86, com mais de 30 mutações em relação à XBB.1.5, e o Brasil confirmou o primeiro caso associado à EG.5.
As novas subvariantes foram associadas ao aumento de 80% dos casos em todo o mundo no início do segundo semestre. No país, a taxa de exames com resultado positivo para Covid chegou a 30% pela 1ª vez em nove meses, e as internações pela doença em São Paulo aumentam 35%.
Em novembro, as hospitalizações em unidades públicas e privadas de São Paulo voltaram a cair, em um movimento contrário ao observado no Ceará. O estado foi o primeiro a registrar casos das subvariantes JN.1 e a BA.2.86.1 e a alta de internações levou o Ministério da Saúde a antecipar o reforço da vacina contra a doença.
A JN.1 também é uma preocupação na França, onde representa pelo menos 30% dos casos de Covid diagnosticados em dezembro. A Alemanha é outro país que tem observado o crescimento no número de pacientes com a doença nas últimas semanas.
VACINAÇÃO
O ano começou com o anúncio da imunização de todas as crianças de 6 meses a menos de 3 anos de idade com as doses da Pfizer baby, indicada para o público mais jovem.
Em seguida, as secretarias de Saúde ampliaram a vacinação bivalente contra Covid para todos os públicos prioritários e, em abril, o governo liberou o reforço com a dose atualizada para todos acima de 18 anos.
A princípio, a possibilidade de tomar a vacina atualizada para a variante ômicron levou a população aos postos de saúde, porém em pouco tempo a procura diminuiu. Em junho, apenas 13% dos adultos haviam recebido o reforço com a bivalente. Seis meses depois, eram somente 17%.
“Nosso principal obstáculo hoje em dia em relação à Covid-19, sem sombra de dúvida, é a hesitação vacinal”, afirma Naime. “Aquelas pessoas que não foram completamente vacinadas, ou seja, não receberam o reforço com a vacina bivalente, têm cinco vezes mais riscos de serem internadas ou de evoluírem para óbito”, destaca.
A imunização entre as crianças também ficou abaixo do necessário. Em agosto, somente 11% dos brasileiros de até cinco anos estavam vacinados.
De acordo com o Ministério da Saúde, a partir de 2024, o público infantil passará a receber uma dose anual da vacina. Idosos, gestantes, puérperas, trabalhadores da saúde e demais grupos prioritários também serão vacinados anualmente.
A expectativa, afirma Naime, é que esse público receba a vacina monovalente da Pfizer atualizada para a subvariante XBB. 1.15. O novo imunizante foi aprovado na última terça-feira (19) pela Anvisa.
COVID LONGA
Neste ano, também começamos a entender um pouco melhor as condições pós-Covid (Covid
longa). Estudos apresentados na Unicamp mostraram que mesmo as infecções mais leves pelo SARS-CoV-2 são capazes de causar alterações estruturais e funcionais no cérebro que podem desencadear manifestações neuropsiquiátricas, como ansiedade, depressão, fadiga e sonolência.
Os impactos na função cerebral podem persistir por anos após a infecção. Além disso, pesquisadores descobriram que pessoas com pressão alta que tiveram Covid podem ter lesões no músculo cardíaco causadas pelo vírus e que este pode disparar anticorpos ligados a doenças autoimunes. Outros estudos apontaram ainda que a Covid longa pode estar associada a anomalias nos pulmões e nos rins.
Ainda não está claro por que isso ocorre. Uma hipótese é que resquícios do vírus que persistem no intestino desencadeiam a redução nos níveis de serotonina. Essa diminuição poderia explicar especialmente problemas de memória e alguns sintomas neurológicos e cognitivos da Covid longa.
Quanto ao número de afetados, um estudo brasileiro divulgado em dezembro revelou que 77,4% das pessoas que tiveram um diagnóstico confirmado para Covid no Rio Grande do Sul desenvolveram sintomas com duração de três meses ou mais.
A vacinação, além de reduzir hospitalizações e óbitos, também diminui os riscos das condições pós-Covid.
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress