SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na família de Edna Augusta, 66, homens e mulheres realizam tarefas domésticas para as festas de fim de ano, mas elas ainda são as responsáveis pela organização. “É da natureza da gente pegar e fazer mesmo, né?”, diz.
O acúmulo de trabalho que esses eventos podem gerar para as mulheres, no entanto, deve levado em conta, alerta a psicóloga Aline Couto.
“A sobrecarga, geralmente, tem a ver com a divisão do trabalho, que coloca mulheres muito mais na esfera de trabalho de cuidado. O trabalho para o outro, que envolve prestar atenção e organizar detalhes que envolvem outras pessoas e ainda pensar em si próprias”, afirma.
Elizabeth Bonelli Vieira de Souza, 75, diz que sua família é formada por cinco irmãos, quatro mulheres e um homem, e que a organização das festas de final de ano é feita por elas.
“Nós deixamos o cardápio para uma das minhas irmãs, que gosta muito de cozinhar. Ela faz o cardápio e passa para cada uma e vê se estamos de acordo. Porque deixar para uma pessoa só é muito custoso”, conta. Na família de Augusta são as sete irmãs mulheres que organizam essas festividades. “A organização, normalmente, parte das mulheres, a distribuição de tarefas.”
A psicóloga explica que os homens também se envolvem ou são chamados para realizar tarefas domésticas, mas o peso da organização e da delegação de funções ainda recai sobre as mulheres. “A mulher vai olhar para a lixeira na cozinha e lembrar que tem que tirar o lixo, que ela precisa comprar saco de lixo, que o dia de tirar o lixo é o dia tal. O cara vai olhar, ver um saco de lixo e, se ele for chamado, jogar o lixo fora”, diz.
Couto afirma que a sobrecarga pode causar aceleração e ansiedade e, por somatização, isso pode se transformar em sintomas físicos. “Você não consegue prestar atenção no que está acontecendo no seu corpo porque no meio dessas demandas também somos demandadas a prestar atenção no que estamos sentindo. Você vai fazendo e fazendo, lá na frente você vai pifar, porque o corpo não te acompanha”, conta.
Na família de Marta Lopes Pêgo, 48, fazer grandes festas de final de ano é uma tradição. Ela conta que, antes da pandemia, já compareceram cerca de 170 pessoas. Há cinco anos, eles contratam pessoas para a cozinha e a limpeza. “Antes, as próprias pessoas da família faziam a comida”, afirma e acrescenta:
“Sempre aquelas mesmas cozinheiras, minha mãe, minha irmã, aquela tia que gosta e uma turma, descascavam a batata. Ficavam lá a manhã inteira perdendo tempo naquilo. Eu falo perdendo tempo, porque poderiam estar aproveitando a festa. E aquelas que não gostam de fazer nada, se divertindo”, observa.
Pêgo diz que a família decidiu contratar os serviços depois que perceberam que gastavam muito tempo nesses trabalhos e que algumas pessoas não conseguiam aproveitar totalmente a festa. “A gente não quer mais saber de louça, não quer saber mais de ficar cozinhando.”
Na família de Pêgo, também acontece um rodízio de cidades e a organização da festa é feita pelos familiares que moram na cidade escolhida. Ela conta que, mesmo com a contratação de terceiros, a organização ainda cansa e que, quando não está responsável por ela, consegue descansar. “Quando você está na organização, você se diverte, mas tem um preparo antes. Tem que organizar uma brincadeira, alguém está correndo atrás de camiseta, se vai ter uma foto oficial tem que pensar quem vai ser o fotógrafo”, declara e acrescenta: “É uma canseira, mas uma canseira feliz.”
A psicóloga explica que as festas de final de ano também trazem sentimentos e consequências positivas para as mulheres. “Se fosse só ruim, poderíamos não fazer. Mas tem outras consequências, esse senso de comunidade que, geralmente, é muito importante para as mulheres. Isso vai trazer coisas para nós que só conseguimos nesse contexto”, ressalta.
Edna afirma que, depois das festas de final de ano, vem a constatação do cansaço, mas também “tem aquela felicidade das pessoas terem se encontrado, de ter tido abraços, desejos de coisas boas. O cansaço dilui na alegria do encontro”.
Couto afirma que o principal problema é entender quando essas demandas trazem mais prejuízos que sentimentos positivos, quando elas tomam a agenda e ocupam um tempo que seria gasto com você, quando não é mais possível tirar o pensamento da organização e dos mínimos detalhes.
Para Augusta, é “fundamental você estar bem para receber. Eu não posso permitir que eu esteja muito cansada ou estressada.” Ela, que divide a organização com as irmãs, entende que essa divisão faz parte das festas. “É uma festa comunitária, uma festa fraternal, onde você recebe todas as pessoas, portanto cada um tem as suas responsabilidades”, diz.
JULIANA MATIAS / Folhapress