SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Farmacêuticas ingressaram com ação na 10ª Vara Civil de São Paulo para anular uma regra da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) que determina que os produtos classificados como terapia avançada deverão passar por análise técnica e etapas de participação social, como audiências e consultas públicas, antes de serem incluídos no rol das coberturas obrigatórias dos planos de saúde.
A ação, com pedido de liminar, partiu do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos). A Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) solicitou o ingresso como amicus curiae (entidade interessada), para que possa peticionar e fornecer subsídios ao processo.
De acordo com as farmacêuticas, a norma da ANS tem vícios de formalidade, como ausência de realização de análise de impacto regulatório e há conflitos com deliberações já feitas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Em linhas gerais, a ANS entende que as terapias avançadas não estariam incluídas nas regras de cobertura existentes na saúde suplementar porque elas não se enquadrariam ao conceito de medicamentos em geral.
Na ação, as farmacêuticas pedem que a norma seja anulada e, consequentemente, que os medicamentos de terapia avançada sejam automaticamente incluídos no rol da ANS.
As terapias avançadas são produtos biológicos obtidos a partir de células e tecidos humanos que foram submetidos a um processo de fabricação. Estão incluídos também na categoria os ácidos nucleicos recombinantes -moléculas de DNA ou RNA manipuladas em laboratório para combinar partes de material genético de diferentes fontes.
O objetivo dessas terapias é regular, reparar, substituir, adicionar ou deletar uma sequência genética ou modificar a expressão de um gene. A Anvisa deu a elas uma classificação especial.
Para a ANS, em razão da natureza complexa e inovadora desses tratamentos, somente com a submissão esses produtos à análise técnica da agência e ao crivo da participação social pode-se ter uma incorporação segura, efetiva e sustentável, que leve em consideração os benefícios, riscos, incertezas e altos custos inerentes a esse tipo de produto.
Em nota, o Sindusfarma argumenta que a ANS não discutiu amplamente a questão e usurpou a prerrogativa de outra agência, a Anvisa. “Quis redefinir numa mera ‘nota técnica’ um conceito adotado por todas as grandes agências internacionais de regulação sanitária, que classificam como ‘medicamento’ as novas tecnologias biológicas de terapia avançada”, diz.
A Interfarma informa que, como amicus curiae, reforçará os vícios formais, o conflito de competência com a Anvisa e impactos para a sociedade para trazer maior robustez e credibilidade aos argumentos.
As duas entidades ingressaram na ANS com pedido de abertura de um processo regulatório sobre terapias avançadas para que todos os envolvidos sejam ouvidos.
Para a Interfarma, a nota técnica da maneira como foi proposta pela ANS é um instrumento frágil que não conta com a robustez necessária e pode criar um cenário de muita instabilidade para o acesso dos pacientes a partir da negativa de tais tratamentos por parte dos planos de saúde.
” A Interfarma entende que a decisão da ANS é uma barreira ao acesso de pacientes a medicamentos de terapias avançadas, por excluir do rol de cobertura obrigatória dos planos de saúde, estabelecido em lei, os produtos registrados perante a Anvisa na categoria “medicamento de terapia avançada.”
Em nota, a ANS informou que não se manifesta a respeito de ações judiciais antes do trânsito em julgado da decisão.
Já a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) diz que estranha e lamenta a pressão comercial da indústria farmacêutica internacional pela incorporação automática de terapias avançadas na cobertura dos planos de saúde no Brasil, o que vai na contramão do processo realizado em todo o mundo, inclusive nos países-sede das grandes fabricantes.
“É fundamental a diferenciação entre registro sanitário de uma tecnologia e a incorporação de uma tecnologia em uma lista assistencial. Por óbvio as evidências científicas sobre segurança, eficácia e custo-efetividade devem ser mais robustas pelas implicações clínicas, sociais e econômicas.”
A Abramge lembra que nos Estados Unidos, a FDA, agência reguladora de medicamentos, está investigando o que chamou de “risco sério” de malignidades, como hospitalizações e morte geradas por terapias avançadas sem evidências robustas de segurança e eficácia.
“Mais uma vez, o Brasil corre o risco de que medicamentos e outras tecnologias sejam testados em beneficiários de planos de saúde, já que se pretende dispensar a necessidade de qualquer estudo mais aprofundado, que comprove benefício clínico, segurança, eficácia e custo efetividade, ou seja, podemos nos tornar um grande campo experimental para laboratórios internacionais.”
A Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), representante das principais operadoras de planos de saúde do país, diz que considera fundamental para a segurança dos pacientes a manutenção das regras estabelecidas pela ANS para a cobertura de tratamentos de terapia avançada.
“Terapias de natureza complexa e inovadora demandam acompanhamento de longo prazo, independentemente da apresentação de resultados iniciais promissores. Por isso, um rito cuidadoso de aprovação, assim como acontece em todos os países do mundo, garante mais segurança para a saúde dos pacientes.”
Por enquanto, existem somente cinco registros na categoria de terapias avançadas, que inclui produtos para doenças raras ou linhas de tratamento oncológico fabricados por Novartis, Janssen e Gilead. Muitas famílias têm recorrido à Justiça para obtê-los.
Um deles é o Zolgensma, da Novartis, cujo custo elevado -que pode superar R$ 8 milhões, segundo operadoras- vem preocupando executivos do setor de planos de saúde.
Também classificado como terapia avançada, o Kymriah atua por meio da retirada de células T do sangue do paciente para colocar um novo gene e atingir as células cancerosas do corpo, segundo a fabricante Novartis.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress