SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O produtor teatral Marcel Giubilei negou ter tomado uma atitude antiética ao comprar, com exclusividade, os direitos de “As Bruxas de Salém”, do dramaturgo americano Arthur Miller, no momento em que a companhia Os Satyros tentava renovar a cessão dos direitos para estender a temporada de uma montagem do mesmo texto.
“Em vez de tentarem lidar com a frustração, eles disseminam ‘fake news’. Eles precisam tomar cuidado, porque isso é crime. Deviam pagar uma terapia para lidar com a frustração”, diz Giubilei, que negociou os direitos diretamente com os responsáveis pela obra em Nova York, e não com a Associação Brasileira de Música e Artes, a Abramus, como Os Satyros.
Na terça-feira, o grupo anunciou o encerramento da premiada montagem, diante da perda dos direitos para Giubilei. Na ocasião, Ivam Cabral, um dos fundadores da companhia, disse que o produtor havia dado “uma voadora” em sua companhia, se referindo a uma suposta infração ética.
Ele nega ter transmitido qualquer “fake news” e diz que Giubilei é um “mau caráter”. Cabral afirma ainda que faltou compaixão ao produtor, que poderia ter deixado a montagem dos Satyros continuar em cartaz, dado que seu projeto não tem data para estrear.
Giubilei alega, porém, que não sabia da existência da peça do grupo paulistano, em cartaz desde junho. Além disso, uma montagem da peça seria um antigo sonho seu.
A iniciativa foi tomada em 2018, em parceria com o diretor Renato Carrera. Um ano depois, Giubilei inscreveu o projeto na Lei Rouanet, buscando a captação de recursos financeiros. O tempo passou, a pandemia chegou e o projeto, que não captou verba, caducou.
Neste ano, ele retomou a ideia, seguindo os mesmos moldes -uma megaprodução, aos mesmos mesmos moldes da Broadway, tendo um elenco estelar, com Mel Lisboa e Caco Ciocler, segundo Giubilei. Ao contrário dos Satyros, o produtor não negociou os direitos com a Abramus.
Giubilei afirma que, em maio, entrou diretamente em contato com o escritório que representa os direitos Miller em Nova York, firmando um contrato de exclusividade. De acordo com a Arthur Miller Organization, o escritório é a United Talent Agency, onde o produtor diz ter bons contatos.
Ele não revela quanto pagou pela cessão dos direitos, alegando que o contrato está sob sigilo. No início do mês, Giubilei aprovou um projeto de quase R$ 5,5 milhões na Rouanet e, agora, tenta encontrar patrocinadores para a peça. Nesse ínterim, Os Satyros estrearam a peça e, em agosto, iniciaram as tratativas junto a Abramus para renovar os direitos.
Naquela ocasião, teriam conseguido a liberação por mais US$ 1.500 (cerca de R$ 7.300, na cotação atual), pagando também os 10% de taxa de bilheteria. Em novembro, perto da expiração do contrato que garantiu a estreia da montagem, os fundadores da companhia, Ivam Cabral e Rodolfo García-Vázquez, foram informados pela Abramus de que os direitos haviam sido comprados, com exclusividade, por outra pessoa.
A dupla enviou, então, um email ao produtor, pedindo que deixasse a montagem dos Satyros continuar. Giubilei negou o pedido. “Por que eles não fizeram o contrato deles com exclusividade. Não posso ceder. Se eu ceder, pago multa”, diz ele. O produtor afirma que não há previsão para a estreia de sua encenação de “As Bruxas de Salém”.
Giubilei atua no ramo há 11 anos e se apresenta também como ator e diretor. Entre as principais produções de sua carreira, ele destaca outras duas parcerias com Renato Carrera, as montagens de “A Serpente”, de Nelson Rodrigues, e “Ielda”, com texto do próprio diretor.
“Admiro Os Satyros, mas esse pessoal precisa entender que existe mundo além da praça Roosevelt”, diz Giubilei, mencionando o endereço da companhia, que tem um teatro de 60 lugares. No X, o antigo Twitter, Cabral classificou a atitude de Giubilei como um “gesto sacana”. “Capitalismo selvagem no teatro brasileiro”, escreveu.
A companhia Os Satyros, fundada em 1989, é uma das mais importantes de São Paulo. No total, o grupo já encenou mais de cem espetáculos, se apresentou em 20 países e recebeu 53 prêmios, incluindo o Shell e o Mambembe. Entre suas montagens, estão “Saló, Salomé”, de 1991, e “Joana Evangelista”, de 2006.
A montagem do grupo para “As Bruxas de Salém” recebeu uma indicação para o APCA, na categoria melhor direção teatral, e ganhou o prêmio Deus Ateu, nas categorias melhor espetáculo e melhor intérprete, com o ator Henrique Mello.
O texto de Miller conta a história de uma onda de histeria que acometeu a comunidade de Salém, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Um grupo de meninas acusa várias mulheres de bruxaria. Os Satyros propõem uma releitura da peça, fazendo comparações com o momento político do Brasil.
GUSTAVO ZEITEL / Folhapress