Alta no custo de vida faz mais jovens morarem com os pais nos Estados Unidos

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Nick pediu para não incluir seu sobrenome. “Seria vergonha?”, pergunto. Ele responde que não. “Apenas privacidade.”

O jovem de 26 anos nunca saiu da casa dos pais -na verdade, quem saiu do imóvel agora foram eles. Aposentados, se mudaram de Nova York para o México em agosto.

A dinâmica pode não parecer noticiosa para o leitor brasileiro, em que é comum que os filhos permaneçam morando com os pais depois dos 18 anos. Nos Estados Unidos, porém, a situação é relativamente nova -até pouco tempo, morar com os pais depois da maioridade era visto como um fracasso.

No entanto, conforme a tendência se consolida -com uma mãozinha da pandemia-, o estigma também vem esvanecendo, embora ainda esteja longe de ser encarado com naturalidade.

Em 1960, apenas 22,5% dos adultos com idade entre 18 e 24 anos dividiam a residência com a família, de acordo com o Censo dos EUA. Em 2020, primeiro ano do baque da Covid, esse percentual chegou a 33,6%. O dado mais recente disponível, o percentual preliminar de 2023, está em 32,4%.

É muito mais barato sustentar a casa no Queens, que soma cerca de US$ 2.000 (R$ 9.720) em despesas, considerando a hipoteca e outros gastos fixos, do que alugar um apartamento com amigos em outro lugar de Nova York, diz Nick.

Para ele, pesa na conta ainda a qualidade de vida: o imóvel é amplo, tem um quintal e fica numa área tranquila. Ele afirma que poderia encontrar algo com um custo semelhante numa região melhor localizada, mas muito menor e deteriorado.

O jovem diz ainda que seria impossível poupar dinheiro se morasse fora de casa.

Ele não é um ponto fora da curva: segundo Nick, muitos dos seus amigos de escola e primos também permaneceram na casa dos pais até por volta dos 30 anos, motivados por esse cálculo de custo e benefício financeiro. “Tudo em Nova York ficou mais caro. Está mais caro do que San Francisco”, reclama.

O aumento do custo de vida é, de fato, uma das principais razões para o prolongamento da estadia familiar. Os preços nos EUA dispararam durante a pandemia, o que agrava uma tendência mais estrutural e de longo prazo de elevação das despesas com educação e moradia na última década.

Uma pesquisa recente do Fed, o banco central americano, mostrou que nunca foi tão difícil comprar um imóvel no país: o preço mediano (o “meio” entre um extremo e outro, não a média) é 4,6 vezes a renda mediana de uma família.

Outro fator menos materialista para a tendência é que os americanos têm se casado mais tarde, por volta dos 30 anos, ou simplesmente não se casado -um momento clássico de ruptura com o lar familiar.

Em 1970, apenas 17% daqueles com 18 anos ou mais nunca haviam se casado. Em 2021, esse percentual era de 31%, segundo o Pew Research Center.

Os entraves financeiros para a saída de casa e as mudanças culturais vêm afetando a opinião pública sobre o tema.

Em 2014, a maior parte dos americanos (42%) avaliavam que a continuidade dos jovens na casa dos pais tinha um impacto ruim para a sociedade, de acordo com o Pew Research Center. Em 2021, esse percentual caiu para 36% -a maior parte, 47%, opina agora que o fato não faz diferença.

Há uma diferença significativa por raça ou etnia: brancos são os que mais veem a situação com maus olhos (41%), enquanto entre asiáticos, negros e hispânicos esse percentual fica abaixo dos 30%.

Asiáticos são os que mais afirmam que a dinâmica gera um impacto positivo (27%). Entre negros e hispânicos, esse número é 24% e 23%, respectivamente.

Além dos que não saem de casa, há os que voltam -as chamadas “crianças boomerang”. Durante a pandemia, esse foi um dos vetores de alta, com muitos jovens retornando à casa dos pais após perderem o emprego ou o fim de um relacionamento, entre outras razões.

A situação é uma premissa queridinha na cultura pop americana, com infindáveis filmes e séries associando o momento a muito estresse e confusão para os pais -o clássico do gênero é “Armações do Amor”, de 2006, mas cuja tradução do inglês para o português é “falha na decolagem”.

Uma pesquisa recente do Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas dos EUA, no entanto, não encontrou evidências de que as crianças boomerang prejudiquem as finanças dos pais, sua vida profissional, saúde ou satisfação de modo geral.

Pelo contrário: o estudo, feito a partir da Pesquisa de Saúde e Aposentadoria, identificou benefícios da convivência, reduzindo a “síndrome do ninho vazio” e permitindo o compartilhamento da responsabilidade pelas atividades domésticas.

Os dados são relativos a pais com idades entre 51 e 69 anos com filhos de até 30 anos.

“Nós mostramos que há choques reais de renda e maritais que levam alguns filhos a voltarem para casa, e que essa situação é frequentemente transitória”, afirmam os autores do estudo, Grant M. Seiter, Mary J. Lopez e Sita Slavov.

“Filhos adultos aparentam ser o retorno para a casa dos pais como um seguro. Enquanto o pai pode acreditar que ele vai precisar trabalhar além dos 65 por causa do filho boomerang, não há mudança de fato na oferta de trabalho e apenas pequenas quedas na satisfação com a vida e saúde autodeclarada. A mãe não experimenta qualquer declínio de bem-estar, saúde ou riqueza”, concluem.

Os pesquisadores não apontam razões para essa diferença de gênero. Uma clivagem semelhante é observada no próprio perfil dos jovens que moram com os pais: o percentual de homens na faixa dos 18 aos 24 anos é 6 pontos percentuais superior ao de mulheres.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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