SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Diante da crescente pressão internacional para reduzir as mortes de civis palestinos em Gaza, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, dobrou a aposta nas ações militares das forças israelenses em discurso nesta segunda-feira (25).
“Não teremos sucesso em liberar todos os reféns sem pressão militar”, disse o premiê, e acrescentou que o país não vai parar a guerra “até a vitória”. Foi vaiado por familiares de reféns do Hamas que seguem sequestrados em Gaza.
Para Chen Avigdori, 53, que teve a filha e a esposa sequestradas pelo Hamas durante 50 dias, “só a pressão militar não resolve”.
“Sou totalmente a favor da pressão militar para trazer os reféns de volta. Mas precisamos ter incentivo e punição, continuar a pressão, mas também dar a eles a oportunidade de fazer um acordo”, diz à Folha o roteirista e comediante israelense que se tornou um dos principais representantes dos parentes dos sequestrados pelo Hamas durante os ataques terroristas de 7 de outubro.
Além do saldo de 1.200 mortos, segundo o governo de Israel, cerca de 240 pessoas foram sequestradas pelos terroristas. Permanecem em cativeiro 115 e acredita-se que 15 a 20 possam estar mortas.
A ultradireita israelense entrou em choque com os parentes dos reféns por sua posição inflexível em relação a negociações com o Hamas para cessar-fogo e troca de prisioneiros. Muitos radicais afirmam que a solução deve ser unicamente militar e se opõem a um cessar-fogo antes que todos os reféns sejam libertados.
“As pessoas que dizem que não devemos fazer nenhuma concessão e deveríamos usar apenas pressão militar estão dizendo, em outras palavras, que os reféns são descartáveis. Que esses civis que foram sequestrados de suas casas de pijama e descalços são descartáveis”, argumenta Avigdori. “Isso é inaceitável para mim, para todas as famílias e para a maioria do público israelense. O público israelense acredita que a libertação dos sequestrados deve ser a prioridade número um de todas as ações de Israel.”
Sua filha de 12 anos, Noam, e sua mulher, Sharon, 52, foram sequestradas em 7 de outubro no kibutz Beeri, onde visitavam familiares. Chen e o filho Omer, 16, ficaram na casa deles, em Hod Hasharon, perto de Tel Aviv.No ataque ao kibutz, 100 pessoas foram mortas e dezenas foram raptadas pelo Hamas. O irmão de Sharon, Avshalom, e mais três parentes estavam entre os assassinados.
Quando Noam e Sharon finalmente voltaram para casa, em 25 de novembro, começou o capítulo dois da reconstrução da família, conta Avigdori. No início, a filha acordava chorando no meio da noite e não deixava o pai se afastar nem por um minuto. Agora, voltou à escola, já foi ao shopping e dormiu na casa de uma amiga.
“O processo de cura é longo. Minha esposa e minha filha são verdadeiras campeãs, estão progredindo, recuperando sua antiga vida, passo a passo.”
Sharon ainda não conseguiu voltar ao trabalho, mas começou a mencionar essa possibilidade. “Vai levar tempo porque ela é terapeuta, trabalha com crianças autistas, de três a cinco anos. Esse tipo de trabalho requer total concentração e dedicação com as crianças”, explica o marido.
A família toda recebe acompanhamento psicológico, como família e individualmente. Avigdori largou seu emprego para se dedicar totalmente à missão de levar de volta para casa os reféns que ainda estão sob o poder do Hamas.
Mas ele diz ter ciência de que, apesar dos progressos, as coisas não serão como antes. “Todos sabemos que não estamos voltando para nossas vidas de 6 de outubro. Estamos construindo uma nova vida.”
E o que mudou? Agora, ele preza coisas que antes achava ser uma simples rotina diária. “Quando ouço minha filha dizer “papai, preciso de ajuda”, isso é o que é importante. Um abraço de manhã, um beijo na bochecha quando ela vai para a escola, todas as pequenas coisas são emocionantes, porque isso é o renascimento da minha família.”
Avigdori não fala sobre possíveis maus-tratos que a filha e a mulher podem ter sofrido no cativeiro, dizendo se tratar de “assunto de segurança nacional”.
Ele culpa o grupo terrorista pelos mais de 20,6 mil mortos em Gaza nos quase três meses de guerra, de acordo com números do Ministério da Saúde ligado à facção.
“Lamento qualquer morte de pessoas que não estão envolvidas no conflito; mas os palestinos estão morrendo por causa do Hamas”, diz o roteirista. “Se o Hamas usa seu próprio povo, seus próprios vizinhos, famílias, irmãos, irmãs e amigos como escudos humanos, isso não é responsabilidade de Israel.”
Para Avigdori, uma solução para o conflito passa pela ajuda para as pessoas de Gaza construírem uma nova sociedade democrática. “E isso só pode ser feito quando o Hamas, uma ditadura, estiver fora do poder lá. Este é o nosso trabalho na Faixa de Gaza.”
Ele diz que, muitas vezes, as críticas a Israel não são justas. “No final das contas, somos os mocinhos da história. Minha filha tem 12 anos, ela não escolheu ser sequestrada, então lembrem-se, somos os mocinhos, somos bons.”
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress