RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Pouco mais de dois anos após o lançamento do programa Pró-Trilhos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elabora um novo marco legal para o transporte ferroviário no Brasil, com foco em concessões de chamados “trechos estruturantes”.
O programa de Bolsonaro criou a figura da autorização ferroviária, que deu aos empreendedores autonomia para sugerir trechos à ANTT (Agência Nacional dos Transportes Terrestres). As autorizações são dadas aos primeiros a sugerir cada trecho.
Foi elogiado pelo setor, já que garante à iniciativa privada a possibilidade de construir suas próprias ferrovias, de acordo com o interesse de cada empreendedor. Houve uma enxurrada de projetos nos primeiros meses após a criação do programa, mas o avanço ainda é lento.
Das 76 requisições de novos trechos, 46 evoluíram até agora para contratos assinados com a ANTT. Desse total, apenas 14 deram início ao processo de licenciamento ambiental, segundo relatório divulgado pela agência.
Só um projeto iniciou processos de desapropriação, uma das etapas mais complicadas na construção de uma ferrovia no país, segundo investidores.
“O principal efeito da Medida Provisória conhecida como Pró-Trilhos foi o de criar uma desordenada corrida de pedidos de autorizações ferroviárias”, avalia o Ministério dos Transportes, que promete mudanças no modelo.
“As empresas apresentavam ao governo projetos que preenchiam requisitos mínimos sem necessariamente ter condições ou real intenção de levar o empreendimento adiante”, continua. “Isso gerou a falsa ilusão de que o setor passava por uma revolução.”
O mercado já esperava alguma mortandade de projetos e esperava que apenas aqueles dedicados a cargas específicas ou de conexão com a malha existente teriam mais chance de sair do papel.
Neste caso estariam, por exemplo, trecho ligando produção de celulose no Mato Grosso do Sul à malha ferroviária em São Paulo, ou trecho dedicado a operações de mineração na Bahia. Nestes casos, o governo Lula pretende manter o modelo de autorização.
A ideia, diz o ministério, é diferenciar ferrovias estruturantes de linhas mais curtas. “Ferrovias mais curtas terão regulação mais simplificada, similarmente ao modelo americano. Por outro lado, as estruturantes precisam passar por uma carga regulatória mais convencional, similar às concessões”, diz.
Essa última classificação, alega, se assemelha aos corredores estruturantes da União Europeia. “Por exemplo, trechos estratégicos, de grande porte ou que dão acesso a porto organizado seriam obrigados a compartilhar a malha.”
O Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) traz 15 projetos de novas concessões em estudo, entre eles a Ferrogrão, trecho que levaria a produção agrícola do Centro-Oeste ao Pará e é alvo de resistência de organizações ambientalistas e povos indígenas.
Empreendedores com projetos já autorizados pela ANTT sob o modelo do Pró-Trilhos não veem risco de reversão das autorizações. É o caso do grupo GPM, que desenvolve a Estrada de Ferro Alcântara-Açailândia, no Maranhão.
Com 536 quilômetros de extensão, o ramal ligará o terminal maranhense à Ferrovia Norte-Sul, apresentando-se como alternativa para o escoamento de grãos da região Centro-Oeste, com previsão de início das operações em dezembro de 2031, segundo a ANTT.
“Devido às suas águas profundas, [o terminal de Alcântara] movimentará elevados volumes de carga de diversos tipos, destacando-se os grãos o minério de ferro”, diz a empresa, em nota enviada à Folha de S.Paulo.
A obra mais avançada sob o modelo de autorização foi autorizada pelo Mato Grosso, e não pelo governo federal, para a construção do malha norte da Rumo Logística, que ligará terminal de Rondonópolis, no Mato Grosso, a Cuiabá e Lucas do Rio Verde, no mesmo estado.
As obras estão em andamento desde novembro de 2022 e a previsão é que a primeira fase, com 200 quilômetros de extensão, seja concluída em 2024, segundo a companhia. A ferrovia completa, com 734 quilômetros, deve ser concluída em 2030.
A ANTT diz que, a partir das autorizações, “cabe a cada empresa conduzir as tratativas para tirar o projeto do papel, assumindo todos os riscos do negócio” e a responsabilidade de obter desenvolver o projeto, obter licenças e financiamento.
O programa institui prazos para o cumprimento de etapas, como a obtenção de licenças prévia (três anos), de instalação (cinco anos) e de operação (dez anos). Caso não haja justificativa para atrasos, a ANTT pode cassar as autorizações.
NICOLA PAMPLONA / Folhapress