SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em seu primeiro ano no comando de São Paulo, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) apostou em uma série de ações feitas no Paraná para a educação e na descontinuidade das principais bandeiras da última gestão tucana na área.
O empresário Renato Feder foi escolhido pelo governador para chefiar a educação paulista exatamente por ter conseguido, quando secretário, colocar o estado do Sul no topo do Ideb (indicador de avaliação do ensino nacional). Com a promessa de fazer São Paulo chegar ao primeiro lugar, Feder decidiu replicar as medidas que já havia adotado.
Assim, iniciou nas escolas paulistas o mesmo processo de digitalização, com a adoção de aplicativos para controlar a frequência dos alunos, plataformas e jogos digitais para serem usados em aula e priorização de material digital por slides. Tudo como havia feito no Paraná, inclusive com contratos com as mesmas empresas.
Ele também decidiu que iria frear a política de expansão de matrículas em tempo integral e fez novas alterações no currículo do ensino médio, três anos após ele ter sido implementado nas escolas pela gestão João Doria, então no PSDB.
Formado em administração e CEO por 15 anos da Multilaser, empresa de equipamentos de tecnologia, Feder defende que, para alcançar bons resultados educacionais, é necessário acompanhar por métricas o trabalho dos professores. Por isso, aposta nas ferramentas digitais para monitorar as atividades em sala de aula.
Em nota, a secretaria afirmou que deu nesse primeiro ano de gestão um “importante passo rumo à inclusão digital na rede” e que continuará perseguindo o objetivo de oferecer aulas mais “modernas, atrativas e eficientes”.
Especialistas ressaltam, no entanto, que o processo acelerado de digitalização do ensino desconsidera a realidade das escolas paulistas, já que a maioria não possui acesso a internet de qualidade nem dispõe de computadores em número suficiente para os alunos.
Foi exatamente a tentativa de substituir materiais impressos por digitais que gerou uma das principais polêmicas do governo Tarcísio na área da educação. No fim de julho, a Folha de S.Paulo revelou que o secretário decidiu, sem consultar os professores, não receber mais livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), comprados com verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação.
Sua proposta era trocar os livros didáticos impressos por um material digital produzido por sua própria equipe.
Depois de uma série de críticas sobre a inviabilidade de se usar apenas o material digital e de diversos erros serem encontrados nas apostilas elaboradas pela secretaria, o governo Tarcísio anunciou um recuo parcial.
Ele decidiu que São Paulo voltaria a aderir ao programa nacional para continuar recebendo os livros impressos, mas manteve a produção e envio de slides para serem usados nas aulas –como havia feito no Paraná, em 2020, durante a pandemia de Covid-19. Nos dois estados, os professores encontraram erros nos materiais e se queixam da pressão para usá-los.
O secretário defende que o material produzido por sua equipe é mais adequado por abordar os conteúdos que são cobrados em avaliações nacionais, como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) –o que, segundo ele, garantiu ao Paraná alcançar o primeiro lugar do Ideb.
Especialistas, no entanto, consideram frágeis os resultados obtidos pelas escolas estaduais paranaenses no último Ideb para servirem como guia de políticas a serem replicadas. Também destacam as diferenças entre as duas redes –São Paulo possui uma estrutura mais complexa e de desigualdades mais acentuadas, com quatro vezes mais alunos do que o Paraná.
“Primeiro, não há evidências de que foram as ferramentas digitais que garantiram a melhora dos indicadores. Segundo, os resultados verificados em um ano tão excepcional para a avaliação, por causa da pandemia, precisam ser olhados com muita cautela”, diz a professora Márcia Jacomini, coordenadora do Geppege (Grupo de Pesquisa em Política Educacional e Gestão Escolar) da Unifesp.
O Inep, responsável pelo cálculo do Ideb, alertou que os resultados de 2021 podem ter sido artificialmente impactados por causa da pandemia, quando as escolas foram orientadas a não reprovar os alunos. O indicador combina taxas de aprovação e o desempenho dos alunos em português e matemática. A rede estadual do Paraná, por exemplo, alcançou uma nota maior no Ideb apesar do rendimento dos estudantes ter caído nas duas disciplinas, em relação a 2019.
“Esse resultado do Paraná pode ser considerado um sucesso, mas um sucesso relativo. De fato, houve aumento no indicador, mas é preciso considerar que havia um contexto diferente”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV.
Em nota, a Secretaria de Educação disse que vai continuar o processo de digitalização do ensino em São Paulo e que pretende investir em 2024 pelo menos R$ 80 milhões na instalação de wi-fi, na renovação do parque de switches e firewalls e na oferta de mais notebooks e tablets.
MUDANÇAS NO ENSINO MÉDIO
Conforme anunciou logo que assumiu, Renato Feder também freou a política de ampliação de matrículas em tempo integral em São Paulo. Essa foi a grande aposta do ex-governador Doria, passando de 364 escolas estaduais (6% do total) com o modelo, em 2018, para 2.312 em 2024, alcançando 45% de toda a rede.
Como a Folha de S.Paulo mostrou expansão acelerada levou alunos, principalmente os mais pobres, a migrarem para as unidades de tempo parcial ou para o ensino noturno. Em novembro, o TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) alertou o governo Tarcísio sobre a necessidade de promover ações para garantir o acesso e permanência dos estudantes mais vulneráveis na modalidade.
A pasta não informou se planeja reestruturações no programa para garantir o acesso dos mais pobres ao tempo integral, apenas informou que desacelerou a expansão. No próximo ano, apenas 20 unidades novas unidades vão passar a ofertar a modalidade –parte delas já havia sido escolhida no fim do ano passado.
Para o programa, a secretaria disse que prevê investir, por meio de parcerias, R$ 1,6 bilhão na construção e gestão de 33 unidades e que vai destinar R$ 460 milhões para a modernização de outras escolas e ampliação de salas de aula.
“Os problemas da expansão acelerada foram criados pela gestão anterior, mas o governo atual não pode virar as costas para essas escolas. Elas são quase metade da rede, é preciso que haja ações para resolver os problemas graves que surgiram, como a evasão e migração dos mais pobres para o noturno”, diz Jacomini.
A aposta do governo Tarcísio está no aumento de matrículas no ensino técnico, com a promessa de ter metade dos alunos nessa modalidade até o fim do mandato. Para uma expansão rápida, com previsão de ofertar 100 mil vagas já em 2024, a gestão decidiu que os cursos serão ofertados dentro da estrutura das escolas regulares.
Outra aposta do governo neste ano foi a reformulação do currículo do ensino médio –em quatro anos, é a terceira vez que essa etapa sofre mudanças curriculares. A gestão Tarcísio resolveu enxugar a oferta de itinerários formativos (parte do currículo que os estudantes escolhem para aprofundar), reduzindo as opções de 11 para 2.
Assim, Feder pretende limitar a profusão de disciplinas que foram criadas para atender essa parte optativa. Com menos itinerários, ele também incluiu aulas de “aceleração para o vestibular” e aumentou as horas destinadas para português e matemática, mas reduziu a carga para sociologia e filosofia.
A mudança tem como objetivo colocar mais estudantes da rede estadual no ensino superior. Nesse sentido, o governo Tarcísio também apoiou a proposta das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) para a criação de um vestibular seriado e, assim, implantou o Provão Paulista. Neste ano, o exame ofereceu mais de 15 mil vagas.
Para Costin, a decisão do governo de mudar o currículo do ensino médio, antes mesmo das alterações que estão previstas na lei nacional, foi acertada.
“O desenho anterior não estava funcionando bem, eram muitos itinerários e os alunos perdiam horas de disciplinas importantes. Os alunos que estão agora no ensino médio precisam de mudanças rápidas para não serem prejudicados”, diz.
Em nota, a gestão Tarcísio disse que “sem dúvida, uma das mais importantes [ações adotadas neste ano] foi a reestruturação do novo ensino médio”, porque o modelo anterior teve avaliação “bastante negativa, tanto pelos alunos como professores”.
Também destacou a criação do Provão Paulista que, segundo a pasta, é o “caminho mais justo e direto que oferecemos aos estudantes para as melhores universidades públicas do país, que são as de São Paulo”.
ISABELA PALHARES / Folhapress