MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Logo no primeiro mês de 2023, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak (Partido Conservador), passou por uma situação curiosa. Ao se filmar para uma postagem nas suas redes sociais no banco de trás de um carro, anunciando um aporte de milhões de libras para a recuperação financeira de condados do norte da Inglaterra, foi multado.
A polícia assistiu ao vídeo e não gostou de ver o premiê sem cinto de segurança. Sunak apagou a publicação, pediu desculpas e afirmou acreditar que todos, sem exceção, devem usar o item. Àquela altura, porém, os britânicos já não estavam achando graça no primeiro-ministro que havia assumido fazia três meses.
Após fugaz passagem de menos de dois meses de sua colega conservadora Liz Truss, Sunak chegou ao cargo em fins de outubro de 2022, tornando-se o líder britânico mais jovem em dois séculos e o primeiro não branco além de ser mais rico que o rei Charles 3º. Estreou com 34% dos britânicos favoráveis e 53% contrários ao seu nome, segundo pesquisa com 2.000 pessoas da plataforma YouGov.
Em 1º de fevereiro, porém, sua popularidade já havia caído para 28%, com 62% de rejeição. Na última pesquisa de 2023, divulgada em 11 de dezembro, apenas 21% dos britânicos eram favoráveis a ele, e 70% contrários. Já nas intenções de voto para as eleições gerais de 2024, o Partido Conservador, no poder há 13 anos, está de 18 a 20 pontos atrás do Partido Trabalhista.
A derrocada reflete um ano que começou com o primeiro-ministro enfrentando as maiores greves dos últimos 12 anos e termina com ele se agarrando a uma controversa lei que pretende enviar imigrantes com pedidos de asilo a Ruanda, na África, para tentar evitar o desastre que se anuncia nas próximas eleições.
No último dia 19, Sunak confirmou que haverá, sim, eleições em 2024, ainda que o Partido Conservador tenha até janeiro de 2025 para realizá-las. Especula-se que elas devem ocorrer entre setembro e novembro, mas há quem diga que poderiam ser adiantadas para o primeiro semestre.
As paralisações do início do ano já vinham tomando corpo desde 2022, principalmente no NHS (Serviço Nacional de Saúde), sistema público semelhante ao SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro. Em 1º de fevereiro, meio milhão de britânicos cruzaram os braços no que os sindicatos de saúde, transporte e correios, entre outros, chamaram de “walk out Wednesday”, ou “quarta-feira de greve”.
A maior parte dos setores encerrou a greve após um acordo com o governo em março, mas há funcionários da NHS parados até hoje, dez meses depois.
O aumento do custo de vida, da energia e as guerras da Ucrânia e de Israel parecem ter dificultado mais a vida dos britânicos do que a de outros países da região. Em novembro, a inflação referente aos últimos 12 meses no Reino Unido atingia 4,2%, enquanto na Europa como um todo esse número foi de 2,4%.
Ainda no início do ano, Sunak fez uma reforma ministerial para tentar colocar a economia nos trilhos, dividindo a pasta de Negócios, Energia e Estratégia Industrial em três novos departamentos: Negócios e Comércio; Segurança Energética e Carbono Zero; e Ciência, Inovação e Tecnologia.
Mas o que parece ter sensibilizado a direita do país, assim como seus eleitores, foi o endurecimento das regras contra imigrantes ilegais, especialmente os que chegam por mar. Segundo estimativas divulgadas em novembro, entre junho de 2022 e o mesmo mês de 2023, o Reino Unido recebeu cerca de 970 mil migrantes, sem contar os da União Europeia (mais 130 mil), uma pequena baixa do recorde de 2022, que teve 1,03 milhão de migrantes não europeus.
Os números ajudaram a embasar o projeto de lei do governo segundo o qual quem tenta migrar por rotas ilegais poderá ser detido por 28 dias e estará inapto a pedir asilo ainda que venha de uma nação em guerra ou seja alvo de perseguição política.
O plano também envolvia a transferência para Ruanda daqueles que pedissem asilo político. No país africano a mais de 7.000 km de Londres, eles aguardariam o processo para conseguir (ou não) a documentação.
Com o 160º pior índice de desenvolvimento humano do mundo, Ruanda já havia sido citada como destino dos imigrantes por Boris Johnson. O primeiro voo de deportação, porém, foi bloqueado por uma liminar do Tribunal Europeu de Direitos Humanos a despeito da autorização do Tribunal Superior de Londres.
Durante todo o ano houve um vaivém nos tribunais e no Parlamento aprovando e reprovando o controverso projeto do governo. Em junho, a Justiça britânica o declarou ilegal, alegando que deficiências no sistema de asilo do país africano implicam “riscos reais” de que os refugiados sejam devolvidos aos seus países de origem e, assim, sofram perseguições políticas ou tratamentos desumanos.
Em julho, contudo, o Parlamento aprovou o plano. Em agosto, o governo colocou os primeiros 15 imigrantes em situação irregular em uma barcaça de 93 metros ancorada em Portland, no sul da Inglaterra. O objetivo seria economizar recursos, como gastos com a hospedagem de imigrantes, e tentar dissuadi-los de pedir asilo. A embarcação tem espaço para 500 pessoas em 222 cabines.
Em novembro, a Suprema Corte do país voltou a confirmar a ilegalidade da medida. Então, no início de dezembro, o Reino Unido e Ruanda assinaram um novo acordo semelhante, levando o caso novamente à estaca zero.
Finalmente, em 12 de dezembro, o primeiro-ministro conseguiu aprovar outra vez a lei no Parlamento. Apesar da vitória, a votação evidenciou um racha em seu partido.
Os conservadores moderados disseram que não apoiariam o projeto de lei se isso significar que o Reino Unido violará as suas obrigações no que se refere aos direitos humanos. Já os mais radicais acreditam que o projeto deveria ser ainda mais duro. Ao fim, Sunak viu 38 deputados conservadores se abstendo.
Sem conseguir controlar a própria legenda, o primeiro-ministro parece entrar em 2024 com dificuldades ainda maiores do que em 2023. Só que, desta vez, ele terá as urnas no meio do caminho.
IVAN FINOTTI / Folhapress