SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após sucessivos recordes, 2023 chega ao fim com o título de ano mais quente já registrado. Considerando tanto os dados diários quanto estudos paleoclimáticos, que analisam elementos como camadas de gelo muito antigas, é possível apontar que as temperaturas atingiram os níveis mais altos em 125 mil anos.
Os números de dezembro ainda não foram consolidados e devem ser divulgados nos primeiros dias de 2024. Apesar disso, dados do observatório europeu Copernicus apontam que as três primeiras semanas do mês tiveram temperaturas cerca de 1°C acima da média histórica para o período.
Além disso, de junho a novembro, todos os meses bateram o recorde de calor para aquela época do ano -e julho foi o mês mais quente da história recente da Terra, ficando aproximadamente 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900).
No acumulado do ano até novembro, a temperatura média global para 2023 foi a mais alta já registrada: 1,46°C acima da média pré-industrial, e 0,13°C acima da média de onze meses em 2016, que era o ano mais quente até agora.
“O que explica as temperaturas tão elevadas em 2023 é a junção do fenômeno do aquecimento global, que é um aumento constante das temperaturas, com o estabelecimento do El Niño”, aponta o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
O El Niño aquece as águas do oceano Pacífico na região da linha do Equador, esquentando o planeta e mudando padrões climáticos em todo o mundo.
Seluchi afirma que, até certo ponto, os oceanos absorvem parte do calor da atmosfera associado ao efeito estufa. Porém, quando esses limites são extrapolados, as águas ficam quentes demais e o El Niño tende a ser mais frequente.
“Se você olhar os últimos 120 anos, por exemplo, há uma maior frequência [de anos de El Niño] nos últimos 60 anos do que nos primeiros 60 anos, de 1900 a 1960”, diz o pesquisador.
Os recordes de temperatura foram registrados desde o início do verão no hemisfério norte (que acontece de junho e setembro). A estação foi, inclusive, a mais quente já registrada no Ártico, reforçando tendências como a ocorrência de menos gelo marinho, mais chuva e temperaturas mais quentes na superfície do mar da região.
Os brasileiros também sentiram na pele o ano mais quente da história: nove ondas de calor fizeram disparar os termômetros ao longo dos últimos 12 meses -chegando, em novembro, ao registro de 44,8°C no município mineiro de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha.
ACORDO DE PARIS EM RISCO
Naquele mês, também foi ultrapassada uma marca histórica do planeta: no dia 17, a variação de temperatura (ou anomalia de temperatura, no jargão científico) ficou 2,07°C acima da média pré-industrial, de acordo com o Copernicus.
A taxa é simbólica por causa do Acordo de Paris, que tem como objetivo manter o aumento da temperatura média global “bem abaixo dos 2°C”, com esforços para “limitar o aumento da temperatura a 1,5°C”. A medida é necessária para reduzir significativamente os riscos e impactos da crise do clima.
Os registros de novembro não significam que o trato já tenha sido quebrado, o que só acontecerá se índices como esse forem registrados de modo frequente. Mas o recorde serve de alerta, já que os cientistas ressaltam que cada acréscimo na temperatura global representa um aumento na ocorrência e na intensidade dos eventos climáticos extremos.
“Oceanos mais quentes evaporam mais água. Então, você tem mais vapor, que é o principal insumo para as precipitações. Além disso, uma atmosfera mais quente também consegue reter mais água”, explica Seluchi. “Assim, as precipitações tendem a se tornar mais extremas, mas também, por outro lado, os episódios secos se tornam mais longos.”
Neste ano, as temperaturas elevadas provocaram desastres em todo o mundo -como tempestades que devastaram lugares tão distantes entre si quanto o Rio Grande do Sul e a China, e secas que isolaram ribeirinhos amazônicos e fizeram o Canadá arder em chamas.
AMOSTRA DO FUTURO
Para o físico Paulo Artaxo, membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU, esses fenômenos são uma amostra do futuro, caso as emissões de carbono vindas das atividades humanas não caiam significativamente.
“2023 foi o ano em que ficou mais evidente a aceleração das mudanças do clima. Nós observamos um enorme aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos”, aponta.
“Desde 1980, a quantidade de eventos climáticos extremos já aumentou por um fator 4 e isso mostra claramente que estamos numa trajetória realmente perigosaa”, afirma também o pesquisador.
Artaxo ressalta alguns dados para ilustrar o quão arriscado pode ser esse caminho.
“As projeções do IPCC preveem que, se continuarmos com a atual taxa de emissão de gases de efeito estufa -que hoje está da ordem de 62 bilhões de toneladas sendo jogados na atmosfera todo ano, com uma taxa crescente de 2% a 4% ao ano- poderemos atingir temperaturas da ordem de 2,5°C a 3ºC na segunda metade deste século.”
A principal fonte das emissões de carbono no mundo é a queima de combustíveis fósseis. Outras causas importantes são o desmatamento, a agropecuária e a indústria.
De acordo com a OMM (Organização Meteorológica Mundial), as emissões globais subiram 1,2% de 2021 a 2022, chegando a um recorde equivalente a 57,4 gigatoneladas de dióxido de carbono.
Assim, sem cortar as emissões, o futuro será mais quente, e as temperaturas extremas registradas em 2023 podem se tornar cada vez mais corriqueiras.
Marcelo Seluchi explica que o futuro não terá sempre um ano mais quente do que o anterior, mas, sim, ciclos que vão resultar em temperaturas mais altas, no cenário mais amplo.
“Existe um certo ciclo. Por exemplo, anos do [fenômeno climático] La Niña costumam ser um pouco mais frios. Então se após 2024 ou 2025 for um ano de La Niña, é provável que ele seja mais frio do que 2023, mas a tendência geral é de aumento”, diz.
“No futuro, [a tendência é que] cada vez que nós tivermos um El Niño -ao menos um El Niño forte ou de moderado a forte- esse seja o ano mais quente até este momento.”
JÉSSICA MAES / Folhapress