FOZ DO IGUAÇU, PR (FOLHAPRESS) – A cena tornou-se comum: do lado paraguaio, motoboys aguardam a formação de grupos para seguirem juntos pela ponte da Amizade, que liga Ciudad del Este à brasileira Foz do Iguaçu (PR), e tentarem passar em comboio pela aduana sem serem incomodados.
O objetivo é fazer com que, ao verem grupos que chegam a ter mais de cem motocicletas, a fiscalização da Receita Federal, da PF (Polícia Federal) e do Exército evite pará-los, por se sentirem intimidados ou mesmo para não gerar congestionamentos no fluxo, que é marcado pela passagem diária de cerca de 40 mil veículos pela ponte que liga Brasil ao Paraguai. Desse total, em média apenas 1% dos veículos são abordados, segundo a Receita, ou seja, 400 por dia.
Usadas como formiguinhas do contrabando, as motos têm como objetivo dar entrada em produtos ilegais no país, principalmente celulares, mas também anabolizantes, cigarros eletrônicos e drogas.
Só a aduana de Foz do Iguaçu contabiliza R$ 450 milhões em apreensões de produtos contrabandeados entre janeiro e setembro, num movimento crescente -em 2022, no mesmo período, foram R$ 328,4 milhões (R$ 344,4 milhões corrigidos pela inflação).
As táticas dos motociclistas incluem a preferência pelos horários de pico, como 8h e 12h, e os momentos em que há troca de turno na aduana, o que faz com que momentaneamente a equipe fique reduzida. A falta de efetivo é um problema crônico na fronteira, conforme relatos à reportagem de agentes que atuam em Foz do Iguaçu.
Para isso, contam com olheiros que ficam próximos à aduana monitorando os passos das equipes de repressão. O monitoramento se estende à sede da Receita, para onde são levados os produtos apreendidos e de onde partem algumas das operações de combate.
Em alguns casos, contam também com uma espécie de fundo falso nas motos, para tentarem passar ilesos pelos fiscais caso sejam parados, e escondem produtos no próprio corpo.
Foi assim que um motoboy foi flagrado pela PF com três smartphones nos fundos de sua calça de moletom. O policial percebeu um volume estranho quando pediu para o motociclista se levantar e flagrou a irregularidade. Não foi a primeira vez que ele foi pego.
Os celulares apreendidos foram avaliados em cerca de US$ 2.000 (cerca de R$ 10 mil), muito acima da cota permitida, de US$ 500 (R$ 2.500).
“Tomara que ele não perca a moto”, disse, lacônico, o colega Clayton Silva, também parado na fiscalização, mas que não tinha nada em sua moto -estava retornando sozinho do Paraguai depois de levar um cliente para as compras.
Silva contou que o preço médio cobrado para o transporte de mercadorias entre os países é de R$ 10, e que é comum receber pedidos para carregar produtos ilegais, como cigarros eletrônicos.
“Eu não faço. Só tenho essa moto, é meu ganha-pão, não vou arriscar, mas entendo quem faça isso para sobreviver”, disse. Os que arriscam, conta, recebem valores médios de R$ 50.
“É comum você abordar pessoas dentro desse 1% dos que são parados com 40, 50 passagens pela ponte”, disse Cezar Augusto Vianna, chefe da fiscalização da Receita Federal na ponte da Amizade.
Delegado-adjunto da Receita em Foz do Iguaçu, Hipólito Caplan disse que a movimentação de motos não para mesmo em dias chuvosos. “É chocante o número de motos.”
O PASSADO INSPIRA
Essa modalidade de agrupamento de motos na ponte foi inspirada nos comboios de ônibus que deixavam a região da fronteira rumo ao interior do Paraná e a estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro em filas que chegavam a ter mais de 300 veículos.
O objetivo era o mesmo, fugir das blitze de órgãos como Receita, PRF (Polícia Rodoviária Federal) e PF na BR-277. Para isso, passavam colados uns nos outros, de forma a evitar que qualquer um deles fosse parado.
A reportagem conversou com mais de uma dezena de motoboys na fronteira, que relataram que celulares sofisticados são os principais produtos transportados entre os dois países. Modelos de iPhone com preços entre US$ 700 (R$ 3.500) e US$ 1.200 (R$ 6.000), dependendo da configuração, são comercializados até pelo dobro do preço no Brasil.
O temor de perder a moto ao transportar grandes lotes é o maior problema apontado por eles. No pátio da Receita na própria aduana, há dezenas de motos apreendidas, que dificilmente retornam para os antigos donos ao término dos processos, ainda conforme os motociclistas.
Do Paraguai para o Brasil, apenas motoboys do país vizinho fazem o transporte, enquanto o inverso se aplica nas viagens iniciadas em solo brasileiro.
“Não pegamos [passageiros do lado paraguaio], é um acordo que existe, assim todos conseguimos trabalhar”, afirmou Jorge Luis Soares, no ramo há mais de uma década.
Ele disse que, em períodos que antecedem importantes datas comerciais, como o Natal, chega a fazer mais de 40 viagens por dia.
A reportagem procurou a Embaixada do Paraguai e questionou o governo do país vizinho sobre eventuais medidas tomadas para enfrentar o contrabando e quais foram os efeitos alcançados, mas não houve resposta.
MARCELO TOLEDO / Folhapress