BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, 57, foi influente conselheira do presidente Lula (PT) no primeiro ano de mandato do petista, com atuação que extrapolou os limites do Palácio do Planalto, chegando ao Legislativo e ao Judiciário.
Segundo relatos, Janja foi bem-sucedida, por exemplo, ao deter cortes mais expressivos de recursos em áreas que lhe são caras –como a causa animal– na elaboração do Orçamento de 2024.
A primeira-dama também atuou pelo aumento da presença feminina no Judiciário, chegando a apresentar nomes de mulheres para a assessoria de gabinetes de tribunais –embora não tenha discordado da indicação de Flávio Dino para o STF (Supremo Tribunal Federal) após ver frustrada sua tentativa de indicar uma jurista para a vaga.
As ideias da primeira-dama chegaram a exigir o envolvimento de outros ministérios. Foi o caso da modernização da sala de cinema do Palácio da Alvorada. O Ministério da Cultura teve que ser acionado para intermediar a cessão de um novo projetor para o Cine Alvorada, a pedido de Janja.
A sala de cinema foi reinaugurada em novembro, mais de quatro meses depois de a primeira-dama planejar novas instalações.
No último dia 15, a Secretaria de Administração da Presidência se empenhou para viabilizar uma demanda feita por Janja no mesmo dia: a doação de mercadorias apreendidas pela Receita Federal a filhos de funcionários terceirizados durante confraternizações organizadas por Janja nos palácios do Planalto e da Alvorada, além da Granja do Torto.
A doação foi autorizada no dia 18. “Considerando a disponibilidade dos bens solicitados e a inexistência de óbice legal, o pedido de mercadorias foi atendido”, disse a Receita.
Janja também atuou para ampliação de recursos destinados à causa animal.
Após um corte na dotação do programa de implementação da Agenda Nacional de Proteção, Defesa, Bem-Estar e Direitos Animais em 2023, ela usou da sua influência junto a líderes governistas do Congresso para garantir uma suplementação da verba para o próximo ano.
O programa é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. Em 2023, a previsão de gastos nessa área era inicialmente de R$ 30 milhões. Mas foi cortada pela metade.
Por isso, os ativistas da causa, com apoio de Janja, articularam uma expansão dessas despesas em 2024. O projeto final aprovado reserva quase R$ 65 milhões, sendo que R$ 25 milhões foram garantidos em conversas de interlocutores de Janja com o relator do Orçamento, deputado Luiz Carlos Motta (SP), que é do PL.
Desde a campanha presidencial, Janja tem introduzido a pauta animal nas agendas de Lula. No começo de 2022, por exemplo, ele se reuniu com entidades dos direitos animais. Quando tomou posse, Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado de Janja e da cadela Resistência.
Segundo aliados de Lula, a primeira-dama foi a idealizadora da sugestão para que a empresa Itaipu Binacional emprestasse à Presidência da República, na modalidade de comodato, um carrinho de golfe para locomoção de Lula após a cirurgia no quadril a que ele foi submetido em setembro.
Ela lidou ainda com o ritmo muitas vezes lento da máquina administrativa.
De acordo com relatos, Janja se queixou da demora para restauração do relógio histórico Balthazar Martinot Boulle, que pertenceu a dom João 6º e foi destruído nos atos golpistas de 8 de janeiro.
O relógio só foi entregue à embaixada da Suíça em 28 de dezembro, após quase um ano dos ataques golpistas que resultaram na vandalização do item histórico. A peça será enviada ao país europeu para restauração. O tempo que decorreu para a celebração do acordo de cooperação foi atribuído aos trâmites burocráticos necessários.
Essa não foi sua única reclamação. Apesar de impedida de ocupar um cargo formal na estrutura do governo, sob pena de o ato ser enquadrado como nepotismo, ela seguiu despachando diariamente em um gabinete próximo ao de Lula, cumpriu agendas separadamente do petista e estreou um programa de lives periódicas para tratar de políticas do Executivo.
Ainda assim, a ausência de um cargo oficial é alvo de queixas.
Como a Folha mostrou, Janja ficou contrariada ao ser informada, em janeiro, da impossibilidade de contar com um gabinete próprio.
Na contramão da avaliação dos colegas de Esplanada, Flávio Dino opinou a favor da redação de um decreto permitindo que ela exercesse um trabalho voluntário dentro da Presidência.
Em março, foi divulgada a informação de que Janja comandaria um gabinete de Ações Estratégicas em Políticas Públicas. A primeira-dama publicou nas redes sociais uma foto com a ministra Esther Dweck (Gestão) e disse na legenda que o encontro serviu para “encaminhamentos sobre a criação” do gabinete.
Com o aval jurídico de Dino, Dweck esboçou um desenho de estrutura em que o gabinete de Janja ficaria atrelado ao gabinete pessoal de Lula e haveria remanejamento de cargos –ou seja, não seria criado nenhum novo posto do ponto de vista orçamentário.
Porém, segundo relatos de quem acompanha o assunto, integrantes da Casa Civil e AGU (Advocacia Geral da União) disseram a Lula que, mesmo que a primeira-dama não recebesse salário, o fato de ser nomeada para uma estrutura do Planalto faria dela, na prática, uma funcionária pública.
Isso significa que ela ficaria exposta e sujeita a investigação por parte de órgãos de controle, como TCU (Tribunal de Contas da União), CGU (Controladoria Geral da União), da própria Justiça –sem ter foro privilegiado–, além de poder ser convocada para falar no Congresso.
Além de Dino, Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) e Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social) estão entre os ministros a quem Janja costuma recorrer para apresentar suas demandas.
Sempre atenta às manifestações nas redes sociais, ela cobra respostas imediatas da Secretaria de Comunicação Social. Ela falou diretamente com Pimenta ao telefone para que fosse medida a repercussão do fim da isenção das remessas internacionais de até US$ 50, que acabou revista também sob pressão da primeira-dama.
Com o titular da Defesa, José Múcio Monteiro, a relação teve sobressaltos em meio aos esforços do ministro para reaproximação de Lula com os militares.
Segundo relatos na Esplanada, no dia 19 de abril Múcio foi ao Palácio da Alvorada insistir para que Lula participasse de solenidade em comemoração do dia do Exército, o que teria contrariado a primeira-dama.
Desde a campanha eleitoral, Janja afirma que quer ressignificar o papel de primeira-dama, historicamente associada ao trabalho voluntário. A onipresença da socióloga e a avaliação dela em temas que vão de economia à cultura, no entanto, provocou atritos com ministros e aliados de longa data do chefe do Executivo –alguns deles chegaram a se afastar do petista.
A Folha procurou a assessoria de imprensa da primeira-dama, mas não teve retorno.
CATIA SEABRA, THIAGO RESENDE E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress