No primeiro ano de Lula, desmatamento na amazônia caiu enquanto espaço para petróleo cresceu

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao final do primeiro ano de seu terceiro mandato, o presidente Lula (PT) está entregando diversos resultados positivos na área ambiental, como uma grande redução no desmatamento da amazônia e o avanço de políticas climáticas.

Simultaneamente, no entanto, o governo federal fala em ampliar a produção de petróleo, o desmate atinge níveis recordes no cerrado e o Congresso aprova diferentes pautas-bomba para o setor.

Após sucessivos retrocessos em temas ambientais na gestão Jair Bolsonaro (PL), o petista, então candidato à Presidência, colocou a pauta como um dos focos de sua campanha eleitoral.

Já na primeira semana de governo, Lula assinou decretos restabelecendo dois pontos centrais: o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e os conselhos participativos. Ambos tinham sido suspensos por Bolsonaro.

Criado em 2004, na primeira gestão de Marina Silva à frente do MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima), o PPCDAm é o alicerce das medidas para combater o desmate na floresta amazônica. A sua nova versão foi publicada em junho e estabeleceu diferentes eixos de ação e a meta de alcançar o desmatamento zero no bioma até 2030.

Analisando os dados do sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), nota-se um avanço considerável. De janeiro a novembro, o desmate na amazônia caiu pela metade –foi de 10.048 km² em 2022 para 4.976 km² neste ano. O índice ainda é alto, mas é o melhor para o período desde 2018.

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, explica que esses resultados são fruto do reforço nas ações de fiscalização.

“Foram realizadas mais operações de campo, o volume de multas aplicado aumentou bastante e também houve elevação da quantidade de bens apreendidos de instrumentos e produtos do crime, inclusive a apreensão de gado, que tem um impacto grande”, diz, acrescentando que é preciso que essas medidas continuem sendo reforçadas.

“Mas também é muito importante começar a aplicar de forma mais sistêmica os instrumentos voltados ao fomento a atividades produtivas sustentáveis na região amazônica”, afirma.

No cerrado, contudo, o desmate cresceu 41% nos últimos 11 meses, indo de 5.242,4 km² no ano passado para 7.373,6 km² em 2023. O bioma vem tendo sucessivos recordes de área devastada, mas só ao final de novembro foi lançado o PPCerrado, que norteará o combate ao desmatamento na região.

Já a reativação dos conselhos participativos destravou dois colegiados que regem o Fundo Amazônia. Com isso, o mecanismo pôde voltar a receber doações e a ampliar a cartela de projetos apoiados.

Também foi reestruturado o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), formado por integrantes do poder público e da sociedade civil e principal ente consultivo sobre as políticas públicas a serem implementadas pelo MMA.

O órgão tinha sido desidratado no governo anterior, que cortou o número de participantes com direito a voto de 96 para 23 e reduziu a participação da sociedade civil. Hoje, o Conama funciona com 114 membros de diferentes setores e uma câmara técnica dedicada às mudanças climáticas.

MAIS INVESTIMENTOS EM PETRÓLEO E GÁS

Apesar do destaque dado pelo governo ao meio ambiente e à crise climática, uma contradição se apresenta desde os primeiros meses da nova gestão: a ampliação dos investimentos em combustíveis fósseis, principais fontes de gases de efeito estufa no mundo.

A Agência Internacional de Energia, aponta que para atingir a meta global de zerar emissões líquidas até 2050 –essencial para cumprir o Acordo de Paris e frear os piores efeitos do aquecimento global– nenhum novo projeto de extração de combustível fóssil deve ser autorizado.

Os planos do governo Lula, contudo, vão na direção contrária. O Brasil é atualmente o oitavo no mundo na produção de petróleo, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, quer escalar a produção para levar o país ao quarto lugar. Silveira também vem anunciando incentivos à ampliação do mercado de gás.

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, chegou a dizer que a estatal “vai ganhar participação de mercado” e que “podemos ser os últimos a produzir petróleo no mundo”.

Além disso, logo no primeiro dia da COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), foi anunciado que o Brasil passará a fazer parte da Opep+, grupo de observadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo. A medida revoltou ambientalistas.

Para Natalie Unterstell, presidente do think tank Instituto Talanoa, houve avanços na pauta ambiental neste ano, em especial no combate ao desmatamento, mas não na velocidade necessária nem em todos os setores.

“Ainda há muita dificuldade para se discutir o abandono dos combustíveis fósseis”, avalia. “[Não há] nenhum cronograma sobre a mesa.”

Pauta indígena e retrocessos no Congresso

Outra frente abordada ainda no início do novo governo foi a desintrusão da Terra Indígena Yanomami, em Roraima e Amazonas, após uma gravíssima crise sanitária, ambiental e social.

Ao longo do ano, também foram realizadas operações de desintrusão das terras indígenas Alto Rio Guamá, Trincheira Bacajá e Apyterewa, todas no Pará.

As medidas voltadas aos povos indígenas também incluíram a homologação de oito terras indígenas, em seis estados: Arara do Rio Amônia e Rio Gregório, no Acre; Kariri-Xocó, em Alagoas; Uneiuxi e Acapuri de Cima, no Amazonas; Tremembé da Barra do Mundaú, no Ceará; Avá-Canoeiro, em Goiás; e Rio dos Índios, no Rio Grande do Sul.

Em 2023, no entanto, o Congresso derrubou vetos do presidente Lula e aprovou a lei que institui a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A posição dos parlamentares contrasta com a do Supremo Tribunal Federal, que a considerou inconstitucional. O caso será levado à Justiça.

“Já era esperado que subisse no Congresso a pressão por retrocessos. A valorização das pautas ambientais parece ter elevado o preço delas como moeda de troca nas negociações”, afirma Unterstell. “Por isso, em vez de estarem ficando para trás, estão sendo colocadas por hábeis agentes políticos nas rodas de troca. Sem uma coordenação que as defenda, no toma-lá-dá-cá, tem se perdido bastante.”

A decisão sobre o marco temporal é a mais proeminente de uma série de outras medidas consideradas retrocessos ambientais adotadas pelo Congresso. Também passou o projeto apelidado por ambientalistas de “PL do Veneno”, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país, em outra vitória da bancada ruralista.

O texto validado pelos deputados e senadores centralizava no Ministério da Agricultura o registro de novos produtos, esvaziando as atribuições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), trecho que foi vetado por Lula.

O presidente sancionou, porém, artigos que impõem prazos mais curtos para análise de registros de agrotóxicos. Na volta do recesso, o Congresso avaliará se mantém ou derruba os vetos.

A Câmara aprovou, ainda, o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono, que estipulará limites de emissões de gases de efeito estufa para empresas e define multas para aquelas que não os respeitarem. O texto irá para o Senado.

Essa era uma das prioridades do governo federal na área ambiental. Mas, em mais uma vitória dos ruralistas, o agronegócio, um grande motor de emissões de gases de efeito estufa, ficou de fora do mercado regulado de carbono.

Segundo o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), somando as emissões por desmatamento às do setor agropecuário, conclui-se que a atividade agropecuária responde por 75% de toda a poluição climática brasileira.

Suely Araújo diz que falta uma atuação mais firme do Executivo para proteger direitos socioambientais no Congresso. “Esses projetos não podem simplesmente serem liberados para voto quando se sabe que, em plenário, a derrota é certa. O governo tem tentado minorar os efeitos negativos dessas aprovações com vetos, mas isso é insuficiente.”

META CLIMÁTICA E TRANSIÇÃO ECONÔMICA

Entre as medidas que dependem exclusivamente do governo federal, uma mudança significativa foi realizada.

Neste ano, foi corrigida a “pedalada” da meta climática brasileira instituída no governo Bolsonaro, que mudava a base de cálculo e permitia um aumento nas emissões do país. Agora, o Brasil voltou aos parâmetros da sua primeira meta junto à ONU, de 2015.

Segundo cálculos do Seeg, caso o país consiga manter o ritmo acelerado de queda no desmatamento da amazônia e outras emissões não subam, será possível atingir o objetivo de limitar as emissões líquidas brasileiras a 1,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa (GtCO2e) em 2025 –atualmente, elas estão em 2,3 GtCO2e.

Em 2023, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lançou, em parceria com o MMA, o Plano de Transformação Ecológica, que buscará promover o desenvolvimento sustentável e reduzir desigualdades.

A ideia é lançar forças-tarefa para mobilizar governos, filantropia, setor privado e atores multilaterais na implementação do plano –que ainda é um rascunho de ideias.

“Falta um plano sistematizado”, analisa Liuca Yonaha, vice-presidente do Instituto Talanoa. “Existem medidas dentro deste contexto que estão avançando, mas não vimos ainda o plano estruturado com todas ações, metas e a relação dele com política climática e, por exemplo, a NDC [sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada, a meta climática de cada país]”, explica.

Para ela, o plano tem sido colocado pelo governo como o ponto que costura diferentes setores, “mas a gente não está vendo essa costura”.

“Qual o reflexo do Plano de Transformação Ecológica em medidas de mitigação e adaptação climática? Onde a gente quer chegar com essa medida?”, questiona.

JÉSSICA MAES / Folhapress

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