MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Uma vistoria feita pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) constatou o avanço de devastação, queimadas e ocupação de terras públicas ao longo da BR-319, com o arco de desmatamento rumo às porções central e norte do Amazonas, duas das mais preservadas da amazônia.
O desmatamento tem ritmo crescente antes mesmo de obras de restauração da rodovia, que liga Manaus a Porto Velho.
A seca histórica na amazônia em 2023 fez aumentar o lobby político pela BR-319. O governo Lula (PT) criou um grupo para tentar acelerar o processo de licenciamento. Documentos da própria licença no Ibama mostram risco de mais desmate e grilagem com a pavimentação.
A vistoria ao longo dos 877 km da rodovia foi feita entre 18 e 23 de setembro de 2023. O relatório foi concluído em 31 de outubro.
A reportagem obteve o documento, que aponta a existência de 225 áreas degradadas na BR-319. Essas áreas precisam ser recuperadas com urgência e parte delas oferece riscos à própria plataforma da rodovia, segundo o Ibama.
Os técnicos que fizeram a vistoria recomendaram autuação do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) por descumprimento de condicionantes e por ter falhado na recuperação de erosões.
O órgão do governo federal é o responsável por ações de conservação e restauração da rodovia. O documento com a recomendação integra o processo de licenciamento.
Em nota, o Dnit afirmou que os trabalhos de manutenção e conservação estão devidamente licenciados pelo Ibama. O órgão não comentou os pontos levantados no relatório do órgão ambiental.
“Foi criado um grupo de trabalho interministerial, que tem como objetivo principal apresentar estudos e propostas que implementem as melhores práticas de sustentabilidade, de mitigação e de adaptação à mudança do clima e de segurança viária para a BR-319”, cita a nota.
Os custos de manutenção de 740 km no último ano foram de R$ 190 milhões, segundo o Dnit. “O Dnit atualmente trabalha na atualização dos projetos de repavimentação do trecho do meio. Os próximos passos são a construção dos dois postos de fiscalização integrada que são exigências ambientais e de órgãos de controle.”
A conservação da rodovia tem licença do Ibama, mas a restauração -como a pavimentação do ponto mais sensível, o trecho do meio, com 405 km- ainda depende de uma autorização definitiva. O lobby político feito se refere principalmente a esse trecho.
Até agora, existe apenas uma licença prévia, emitida em julho de 2022 pelo então presidente do Ibama, Eduardo Bim. Ele estava no cargo por indicação do hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ministro do Meio Ambiente no governo Jair Bolsonaro (PL). A licença prévia foi emitida três meses antes da derrota de Bolsonaro nas urnas.
Os técnicos do Ibama, na inspeção feita em setembro, disseram ter constatado “vários pontos de queimadas e desmatamento no entorno da rodovia, alguns com residências estabelecidas”.
Conforme o relatório, isso é uma evidência do processo de transformação do uso do solo na região, com uso e ocupação ilegal de terras públicas e possível avanço do arco do desmatamento para as porções central e norte do Amazonas.
Há uma tendência de aumento do desmatamento, concentrado na parte sul do trecho do meio e na parte mais próxima de Manaus, além de outros municípios com acesso fluvial ou por estrada.
No trecho do meio, o Ibama constatou que espaços previstos como passagens de fauna não vêm sendo respeitados nas ações de conservação.
Os técnicos vistoriaram áreas degradadas cujos passivos ambientais remetem à construção ou manutenção da rodovia. Há erosões de até 3 m de altura, assoreamento de rio e diques de contenção de água improvisados.
“No trecho percorrido, foram observados alguns caminhões transportando toras de madeira”, afirmaram os técnicos. “No decorrer da vistoria foram avistadas muitas áreas novas desmatadas e queimadas ao longo da rodovia, incluindo área localizada entre a rodovia e o Parque Nacional do Jari.”
Segundo o Ibama, os programas de recuperação de áreas degradadas não tiveram início efetivo. “Desde 2007, quando da identificação de alguns passivos, o Dnit não vem conseguindo mitigar os danos causados com a restauração nas áreas impactadas”, cita o relatório.
Para os técnicos do Ibama, é preciso que existam garantias de mecanismos que assegurem a preservação da floresta no entorno da rodovia. A fragilidade se dá especialmente num raio de 5 km das margens da estrada.
“A redução da cobertura florestal, seguida das queimadas para limpeza do terreno, provoca a fragmentação do ambiente, poluição do ar, pressão sobre espécies vulneráveis e em áreas protegidas”, afirmaram os técnicos. “Reforça-se a necessidade de implantação de políticas públicas visando manter o Estado presente na região, nas esferas federal, estadual e municipal.”
Um monitoramento feito pelo Observatório BR-319, uma rede formada por organizações da sociedade civil, pesquisadores e associações indígenas, mostrou que mais de 40% das queimadas no Amazonas entre agosto e novembro, período crítico da seca extrema, ocorreram em 12 municípios da área de influência da BR-319. Ondas de fumaça invadiram Manaus e outras cidades do estado.
Como barreiras de contenção do desmatamento na região, o Ibama sugeriu a criação de mais unidades de conservação ao longo da rodovia.
“Ao se falar em presença na região, não se cogita a presença eventual do Estado, mas sim a presença efetiva, frequente de todos os entes, mesmo que alternadamente, no decorrer de todos os dias do ano por toda a região, e não somente na região sul do Amazonas, como ocorre mais frequentemente”, afirmaram os técnicos após a vistoria.
VINICIUS SASSINE / Folhapress