Ernesto Paglia volta ao Ártico em série para mostrar efeitos da mudança climática

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O jornalista Ernesto Paglia, 64, passeava pelo pequeno vilarejo de Qaanaaq, na Groenlândia, quando ouviu barulhos muito característicos do esporte favorito dos brasileiros. Ficou intrigado, porque a temperatura no local poderia chegar a -35°C na primavera, como ele mesmo sentiu na sua primeira ida ao local, em 1995.

Ao ver garotos de 10 a 14 anos jogando futebol no gelo, descobriu, junto com o cinegrafista Marco Antônio Gonçalves, que a popularidade do esporte no território dinamarquês vinha do ano anterior, com a conquista do tetracampeonato mundial do Brasil na Copa do Mundo.

“Quando colocamos a câmera para filmar, eles perguntavam de onde éramos. Quando dissemos ‘somos do Brasil’, começaram a gritar ‘Bebeto’, ‘Romário’ e até ‘Maradona’”, lembra o jornalista.

O futebol abaixo de 0°C não foi a única coisa que chamou a atenção dele, que percorreu 400 km sobre o gelo para acompanhar uma caçada de inuítes, povo que vive na região há 1.200 anos e cuja cultura está ameaçada pela mudança climática.

A visita de 1995 foi seguida por outra, em 2007, na qual não seria possível repetir a viagem, por causa do derretimento do gelo no Ártico. No ano passado, quando Ernesto voltou com a mesma equipe ao local para uma terceira reportagem, a região teria seu verão —entre julho e setembro— mais quente já registrado.

Os registros dessas mudanças e os sinais que elas dão para o mundo chegam nesta quinta-feira (4) à plataforma Globoplay, na estreia da série documental “3x Ártico – O Alerta do Gelo”.

Enquanto a primeira reportagem tinha cara de aventura, para mostrar como vive um grupo de pessoas cercado por gelo o ano todo, as outras duas se concentraram na crise causada pelo aquecimento global, evidente na região por causa da aceleração no degelo e no aumento do degelo acelerado

“Em 1995 já havia consciência sobre a crise climática, mas era menos disseminada do que hoje. Havíamos vivido a Rio-92 e me lembro de certa exaustão da opinião pública com meio ambiente, falava-se muito nos ecochatos.”

Na época, Paglia, acompanhado pelo cinegrafista Gonçalves e o biólogo e guia canadense Jim Allan, registrou a primeira caçada dos inuítes na primavera, após quatro meses no escuro durante o inverno da Groenlândia.

Com trenós puxados por cães, o grupo viajou por 11 dias sobre o mar congelado, com grandes riscos ao menor sinal de brisa abaixo de 0°C. Já em abril de 2023, a viagem durou apenas um dia, e percorreu 60 km, quase um quarto da distância coberta em 1995, porque já não havia distância entre o local de partida, na região de Qaanaaq, e a orla marítima.

Essa mudança representa menos gelo marinho, mais chuva e temperaturas mais quentes na superfície marítima do Ático, já que a água absorve a radiação solar e armazena essa energia, em vez de refleti-la, como faz a camada de gelo.

“Enquanto o mundo discute nas COPs (conferências do clima da ONU), como a de Dubai, as formas de limitar o aquecimento médio de 2°C do planeta, lá os inuítes já vivem um aumento médio de 4°C a 5°C por conta desse fenômeno.”

É por isso que, para o jornalista, os inuítes são sentinelas das mudanças climáticas, avisando o que vem pela frente.

“O que está sendo vivido hoje por Qaanaaq é aquilo que vai bater aqui na nossa costa, nos nossos 8.500 km de litoral, amanhã. Por isso que eu tenho dito e repito, os inuítes são, para nós, como se fossem a trincheira avançada do clima.”

Para um caçador entrevistado na série, o degelo encurta a distância entre sua casa e a caça. Mas a vantagem temporária tem efeitos sobre a forma como tem caçado, com dúvidas sobre a necessidade de manter uma matilha ou mesmo os trenós.

A cada ano que passa, a camada de gelo que se recupera durante o inverno fica mais fina. “Você tem, na primavera, um degelo mais rápido, uma área maior de mar escuro”, diz Paglia.

A isso se soma uma imprevisibilidade de onde o gelo pode rachar com a agitação da água abaixo, seja sob uma barraca ou sob um trenó. Ou mesmo numa área afastada, mas que pode representar a separação de um grupo da parte continental.

Foi o que quase aconteceu em 2007, na segunda expedição de Paglia ao Ártico. Na segunda noite de viagem, uma intérprete entrou na barraca de Ernesto e um cinegrafista e avisou, aos gritos, que era preciso deixar o local. “Tivemos que catar equipamento, desmontar barraca, reunir equipamento de filmagem e sair voando.”

O jornalista afasta eventuais críticas sobre previsões catastróficas, e cita que a crise do clima já afetou o modo de vida de inuítes no Canadá. “É um povo de 160 mil pessoas e são raros os que mantêm matilhas e trenós puxados pelos cães, porque a caça não tem volume para isso, não se justifica. O caçador começa a fazer a conta.”

Paglia reconhece o privilégio de poder orçar e fazer três vezes, ao longo de 30 anos, uma viagem para a mesma região do Ártico, com Gonçalves e Allan, e afirma que foi emocionante rever Qaanaaq e as mesmas pessoas —um dos meninos do futebol no gelo, agora com 40 anos, foi o tradutor da última visita.

“Meu sentimento é de ter cumprido uma missão. Espero que tenha repercussão para que as pessoas percebam que a nossa presença no planeta depende da capacidade de mantermos o ambiente como está, porque o planeta vai sobreviver. Dinossauros viveram por muito tempo e foram embora”, diz Paglia.

3X ÁRTICO – O ALERTA DO GELO

– Quando 4 de janeiro

– Onde Disponível no Globoplay

– Classificação 12 anos

– Produção Brasil, 2023

– Direção Henrique Picarelli

LUCAS LACERDA / Folhapress

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