BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta terça-feira (9), que não é possível “perder guerra” contra garimpo ilegal e prometeu utilizar toda a máquina pública para expulsar invasores.
O chefe do Executivo disse ainda que a desintrusão do garimpo na Terra Indígena Yanomami (RR) precisa ser tratada como uma questão de Estado.
Desde o início do ano passado, o governo federal promove uma operação contra o garimpo ilegal na região, mas, apesar da fala de Lula, não conseguiu extinguir totalmente a atividade.
“A gente vai decidir tratar a questão de Roraima, indígena, dos yanomami, como questão de Estado. Vamos ter que fazer esforço ainda maior, utilizar todo poder que a máquina pública pode ter”, disse o presidente, no início da reunião.
“Porque não é possível que a gente possa perder uma guerra para o garimpo ilegal, que a gente possa perder uma guerra pra pessoas que estão fazendo coisas contra o que a lei determina”, completou.
O encontro foi fechado, mas a Secretaria de Comunicação divulgou o discurso de Lula.
Além de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), diversos ministros foram envolvidos na reunião: Rui Costa (Casa Civil), Flávio Dino (Justiça), José Mucio (Defesa), Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Nísia Trindade (Saúde), Esther Dweck (Gestão), Marina Silva (Meio Ambiente), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Márcio Macedo (Secretaria-Geral), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Secom) e Jorge Messias (Advogado-Geral da União).
Além das pastas, outro órgãos participam das tratativas: Almirante de Esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire (chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas), Miriam Belchior (Secretária-Executiva da Casa Civil), Andrei Rodrigues (Polícia Federal), Joenia Wapichana (Fundação dos Povos Indígenas) e Humberto Freire de Barros (diretor a Amazônia e Meio Ambiente da PF).
A operação de desintrusão da Terra Indígena Yanomami começou em janeiro de 2023, após o presidente Lula realizar viagem ao local e o governo decretar emergência sanitária na região.
O Ministério da Saúde encontrou quadros graves de desnutrição entre os yanomamis. A causa, dentre outras, era a contaminação por mercúrio, elemento utilizado no garimpo ilegal e que poluí os rios e contamina animais e humanos.
Relatórios da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) revelados pela Folha de S.Paulo mostraram que os postos sanitários foram deixados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) em situação precária, com remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.
A obrigação de expulsão dos invasores e garimpeiros ilegais do território foi determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda durante o governo de Bolsonaro que nunca cumpriu a ordem.
Desde o início de 2023, órgãos como Polícia Federal (PF), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Funai e Forças Armadas vêm atuando para a expulsão dos invasores do território.
O plano inicial do governo Lula previa que a desintrusão dos garimpeiros seria concluída em 180 dias. Como isso não ocorreu, Barroso determinou que o Executivo apresente nova estratégia.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo federal estuda retirar dos militares a atribuição de destribuir cestas básicas aos yanomami, uma das principais medidas de combate à desnutrição na região, e contratar helicópteros privados para realizar essa função.
Atualmente, um grupo de tranalho interministerial trabalha na proposta, que deve priorizar aeronaves de grande porte, para substituir os Black Hawks ou semelhantes usados pelos militares, mas também pode haver a contratação de equipamentos menores.
Durante a operação, houve denúncias de falha na entrega de cestas básicas por parte dos militares. Em junho, a Agência Pública revelou que o Ministério da Defesa cobrava R$ 1,6 milhões da Funai para realizar a tarefa.
Desde o governo Bolsonaro, mas também durante a gestão Lula, pessoas envolvidas na operação reclamam da articulação com os militares.
Como revelou a Folha de S.Paulo, relatórios de inteligência da Funai de 2019 dão conta de que militares vazavam informações sobre operações de combate à atividade ilegal e permitiam a circulação de ouro ou drogas mediante pagamento de propina pelos garimpeiros.
Além disso, o documento aponta que membros das Forças Armadas da região tinham relação de parentesco com pessoas que atuavam na exploração ilegal de ouro e cassiterita.
Outro relatório, este da PF e também revelado pela Folha de S.Paulo, indica que ao menos dois ex-militares da FAB (Força Aérea Brasileira) são suspeitos de integrarem uma organização criminosa responsável pela exploração de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Em nota enviada à Folha de S.Paulo, o Ministério dos Povos Indígenas disse que trabalha em um novo plano, com uma lista de dez territórios prioritários, que inclui aqueles onde o garimpo cercou aldeias.
No total, a ADPF 709, que deu origem à ordem de Barroso para desintrusão, comporta sete territórios, dentre eles o Yanomami, mas não só.
Integrantes das operações dizem que a próxima prioridade do governo é a Terra Indígena Munduruku, uma das mais afetadas pelo garimpo ilegal, além da exploração de madeira e gado irregular. Essa área também é contemplada na ação que corre no STF.
O diagnóstico é de que a operação no território Yanomami avançou, mas estagnou após os meses iniciais. Relatos de indígenas dão conta de que o garimpo já começa a voltar a atuar na região e o fechamento do espaço aéreo para sufocar a rede de suprimentos da atividade ilegal não foi eficiente.
Das terras citadas na ADPF 709, o governo também realiza operações na Apyterewa e na Trincheira-Bacajá, em uma ação conjunta as áreas são vizinhas.
Agentes dessa ação avaliam que ela começou com problemas, sobretudo políticos, mas que vem transcorrendo bem após os percalços.
No meio de 2023, o governo chegou a adiar o início da operação, após pressão, e as operações de campo chegaram a ser suspensas por um período.
JOÃO GABRIEL E MARIANNA HOLANDA / Folhapress