Jornalista que perdeu 3 filhos em Gaza tenta manter ofício em meio a tragédia pessoal

RIO CLARO , SP (FOLHAPRESS) – Quando a guerra começou na Faixa de Gaza, em 7 de outubro, o jornalista palestino Wael al-Dahdouh tinha oito filhos. Hoje, tem cinco.

Como tantos nesse território sob ataque israelense, Dahdouh perdeu diversos familiares durante um conflito que não dá sinais de arrefecer. A última vítima foi seu filho mais velho, Hamza, morto em 7 de janeiro, três meses depois do início do conflito.

Dahdouh, 52, nasceu na Cidade de Gaza. Passou sete anos detido pelas forças israelenses, que controlaram a Faixa de 1967 até a retirada de seus colonos em 2005. Israel impõe até hoje um cerco por terra, água e mar. O jornalista disse, em entrevistas, que a experiência moldou sua consciência. Ele se formou em jornalismo pela Universidade Islâmica de Gaza e fez depois o mestrado na Universidade Al-Quds, na Cisjordânia.

Começando em 1998, trabalhou em diversos veículos palestinos, incluindo o jornal al-Quds e a rede Al-Arabiya. Em 2004, entrou para a Al Jazeera, que naquela década -do 11 de Setembro e da Guerra do Iraque- se firmava como uma das principais emissoras árabes no mundo. Dahdouh é hoje chefe da sucursal da Al Jazeera dentro de Gaza.

Dahdouh cobriu outros conflitos, mas nenhum como este. Em outubro, membros da facção radical palestina Hamas realizaram um ataque terrorista contra Israel, deixando mais de 1.200 mortos. Em resposta, as forças israelenses têm bombardeado toda a Faixa de Gaza. Seus ataques já mataram ao menos 23 mil -a maior parte, mulheres e crianças, segundo as autoridades do Hamas, que controla o território.

A família de Dahdouh se dispersou e se refugiou em diversas partes de Gaza. Em outubro, um ataque matou sua mulher, sua filha de 7 anos e seu filho de 15. A família diz que oito outros membros morreram também. Dahdouh se tornou assim o que os jornalistas evitam ser: uma notícia.

Em dezembro, ele foi ferido enquanto estava dentro de uma escola no sul de Gaza, trabalhando. Estilhaços de uma bomba atingiram sua mão e ele foi levado a um hospital. Poucos dias depois, voltou à atividade. Seu colega, o jornalista Samer Abu Daqqa, morreu no ataque.

Em 7 de janeiro, um bombardeio israelense matou outro dos filhos de Dahdouh. Hamza, 27, estava com um colega em um carro no sul da Faixa de Gaza quando foi alvejado. Era jornalista como o pai.

“É verdade que a dor de perder alguém é muito dura, e quando é seu filho mais velho, depois da morte da família, então fica ainda mais difícil”, Dahdouh afirmou à imprensa após a morte de Hamza. Disse, porém, que a sua tragédia pessoal não iria interromper o seu trabalho.

“A Hamza e a todos os mártires digo que permaneceremos fiéis. Este é o caminho que escolhemos conscientemente”, Dahdouh afirmou também. Em árabe, as vítimas dos conflitos são às vezes chamadas de “mártires”.

O ofício de repórteres como Dahdouh, assim como era o de seu filho, é fundamental para a circulação de informações sobre esta guerra. Jornalistas estrangeiros não conseguem entrar em Gaza. Mesmo quando entram em tempos de paz, contratam jornalistas locais -os chamados “fixers”, no jargão da imprensa- para agendar e traduzir entrevistas. Esses profissionais nem sempre são reconhecidos na cadeia produtiva.

Segundo levantamento do CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas), com sede em Nova York, 79 jornalistas morreram durante este conflito: 72 palestinos, 4 israelenses e 3 libaneses. O sindicato dos jornalistas palestinos diz que morreram 102 e que 71 ficaram feridos. É o conflito mais letal a profissionais da imprensa nessa região nos últimos 30 anos.

Palestinos têm desde o começo da guerra acusado Israel de alvejar jornalistas de maneira intencional. Apontam a capacidade militar israelense de realizar ataques precisos. A Al Jazeera afirmou, sobre o ataque do dia 7, que Israel viola “princípios da liberdade de imprensa”.

Israel, porém, nega que as mortes sejam intencionais. À imprensa, comentando a morte recente de Hamza, as forças do país afirmaram que o ataque foi motivado pela suposta presença de um terrorista no carro, pilotando um drone. Quando pressionado a apresentar provas, um porta-voz afirmou apenas que haveria investigação e que a morte de qualquer jornalista é um fato infeliz.

DIOGO BERCITO / Folhapress

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