SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O crocodilo é imenso. Sua boca é enorme e cheia de dentes, os olhos amarelados são duas lanternas e o corpo do bicho pulsa, porque dele emana música. A multidão vibra junto com o som e registra tudo com smartphones brilhantes. A cena compõe uma noite da aparelhagem Crocodilo, uma das principais festas dedicadas ao gênero musical tecnobrega, que acontece em Belém, no Pará.
A fotografia foi feita por Vincent Rosenblatt, artista francês que, desde 2008, documenta a cena tecnobrega na capital paraense. O termo aparelhagem designa o imenso paredão de som ao redor do qual os produtores dessas festas, que surgiram ainda nos anos 1950, montam uma estrutura de alta tecnologia, formada por luzes de LED e lasers.
“Me interessei por esse ritual profano e tento nas fotos encontrar a vida dessas máquinas que fazem a festa”, diz ele. Em geral, as imagens tratam do contraste entre o ser vivo e o inanimado. Numa delas, a estrutura da aparelhagem forma um par de chifres, sugerindo os traços de um boi demoníaco. Ao espectador da foto, fica a impressão de que as pessoas da festa estão mesmo num ritual satânico.
Para Rosenblatt, a temática do tecnobrega é ainda uma obra em processo, de modo que ele pretende estender a sua produção no tempo antes de reunir tudo num livro ou fazer uma exposição. O material, no entanto, já despertou o interesse de Anitta e Pedro Sampaio, que, há dois anos o convidaram para fazer a foto que estampa o single “No Chão Novinha”. “Os Aleijadinhos da atualidade são os criadores das aparelhagens”, afirma Rosenblatt.
Parisiense, Rosenblatt estudou na Escola de Belas Artes e, no início da carreira, fotografou peças de teatro na capital francesa. Ele chegou ao Brasil no fim da década de 1990 aterrissando, em um primeiro momento, em São Paulo, onde fez alguns cursos na Fundação Álvares Penteado, a Faap. Em 2002, ele passou a morar no Rio de Janeiro, tamanho seu encantamento pelos bailes funk.
E foi graças à documentação das festas dedicadas ao ritmo do batidão, sediadas nos morros cariocas, que Rosenblatt ganhou notoriedade. Como resultado de sua pesquisa, o artista lançou, em 2022, o livro “Rio Baile Funk”, que traz instantâneos da noite do Rio de Janeiro. Ao contrário do que ocorre no projeto do tecnobrega, Rosenblatt busca, com o funk, ressaltar a corporalidade, intrínseca à dança praticada por aquelas pessoas.
As diferenças não param por aí. O artista diz que o tecnobrega não sofreu a repressão ainda enfrentada pelo funk, o que só aumentou o seu interesse pelo gênero. “Há uma incompreensão sobre o que é o tecnobrega”, afirma.
GUSTAVO ZEITEL / Folhapress