Censura aos livros está pior do que nunca, diz escritora fenômeno Judy Blume

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Judy Blume está acostumada à censura. Depois de ver seu livro de estreia “Ei, Deus, Está Aí? Sou Eu, a Margaret” ser banido de bibliotecas escolares —inclusive a do colégio de seus filhos— ainda nos anos 1970, quando foi lançado, a escritora de 85 anos vê suas obras seguirem na mira no que considera uma nova onda de censura à literatura nos Estados Unidos.

A hoje clássica história de Margaret, uma garota de 11 anos que vive em Nova Jersey com seu pai judeu e mãe protestante, parece inofensiva. Mas como a criança versava sobre as mudanças da puberdade, com direito a menstruação e paixões adolescentes, virou motivo de rebuliço.

Nascida no mesmo estado de sua protagonista mais célebre, Blume cresceu em uma família judia tipicamente americana e levou uma vida pacata como dona de casa antes de virar uma autora best-seller, precursora da literatura voltada ao público adolescente com a história de Margaret.

Ela era casada e mãe quando escreveu o livro, mas se separou do marido, que tinha problemas com a mulher conciliar as tarefas domésticas com as de escritora de sucesso. Blume vendeu mais de 90 milhões de cópias de seus 29 títulos até agora, segundo a revista People. Mas seu pioneirismo não foi fácil.

“Nos anos 1970 os Estados Unidos eram muito mais abertos, mas quando ‘Ei, Deus’ foi publicado, doei três cópias para a escola dos meus filhos e o diretor retirou dizendo que era inapropriado”, diz Blume, em entrevista por videoconferência.

“Pensei que aquilo ia passar, mas nos anos 1980 a censura piorou. Foi algo grande. Depois voltamos a uma política mais liberal. Agora está pior do que nunca. É pior que os anos 1980.”

Sua literatura continua a ser perseguida, agora com “Forever”, lançado cinco anos depois de “Ei, Deus”, que foi banido em um distrito escolar da Flórida, governada pelo republicano Ron DeSantis, hoje candidato à Presidência, por abordar temáticas sexuais e raciais que Blume explora desde a estreia.

O país também se agita com uma lista que chega aos milhares de livros banidos, como o quadrinho “Gênero Queer”, de Maia Kobabe, que questiona o binarismo de gênero, e o pioneiro “Maus”, de Art Spiegelman, que narra a sobrevivência dos pais do autor a campos de concentração nazistas.

Blume, que mora na Flórida, tem motivo para preocupação. Segundo a organização pela liberdade de expressão Pen America, as ações para banir livros cresceram 33% no ano escolar que vai do segundo semestre de 2022 ao primeiro de 2023, em relação ao ano anterior. E 40% dos banimentos se concentram em distritos da Flórida de DeSantis, com 1.406 casos de proibição.

“A censura é uma questão de controle. Os censores querem controlar o que as crianças pensam, mas isso é impossível. Não querem que as crianças vão até eles com perguntas que eles não sabem responder”, diz Blume.

Mas as tentativas de parar a popularidade da autora, que atravessa gerações, parecem inócuas. No mesmo ano em que foi banido, “Ei, Deus” foi lançado como filme sob o título “Crescendo Juntas”, com Abby Ryder Fortson no papel da jovem protagonista e Rachel McAdams como sua mãe. A produção impulsionou um novo ciclo editorial ao livro, que chega ao Brasil pela Rocco pela primeira vez depois de mais de 50 anos da publicação original.

“O livro ainda ressoa porque fala de uma experiência universal. Crescer é natural. O desenvolvimento físico nunca fica velho, é novo para cada criança que passa por isso. É inesquecível.”

A jovem Margaret não é um espelho de quem a escritora era aos 11 anos. Mas Blume conta que se inspirou na experiência do irmão, judeu como ela, e da cunhada —uma batista do sul dos Estados Unidos que suspeitava que judeus tinham chifres.

Mas Blume era Margaret no sentimento que conduz a trama: a vontade de crescer. “Quando eu escrevi, queria uma experiência verdadeira. Era minha experiência. Eu sou ela no sentido de que demorei a me desenvolver e queria ver meus seios crescerem como os das minhas colegas.”

A vontade de amadurecer que personagem e autora compartilhavam, porém, não é mais tão universal assim. A escritora diz receber cartas de leitores que não querem crescer, e aconselha pais a falarem com seus filhos se não quiserem que eles descubram sobre a puberdade sozinhos ou por meio de colegas. E até os encoraja a ler livros sobre o assunto juntos —valem até volumes técnicos sobre corpo humano.

“É importante preparar os jovens para a puberdade e falar sobre isso antes que ela venha. Eu me lembro de uma mulher que escreveu para mim dizendo que começou a ter sangramento vaginal e achou que estava morrendo, porque nunca tinha ouvido falar em menstruação. Não contou para a mãe porque não queria chateá-la.”

Hoje, Blume vive em Key West, um reduto criativo na Flórida ultraconservadora que baniu um de seus livros, e é dona de uma livraria com uma seção dedicada a obras censuradas.

“Mudamos os livros dessas prateleiras toda hora porque são muitos”, diz. “Praticamente todos os livros que você citar estão banidos na Flórida, as prateleiras das bibliotecas estão vazias. Temos um governador que é provavelmente o maior censor de todos.”

Blume diz que essa é uma luta que nunca acaba, mas não se vê desistindo. “As pessoas acham que se as crianças não lerem sobre algo, nunca vão saber que aquilo existe. Mas estou falando de puberdade, todo menino ou menina vai passar por isso, queiram seus pais ou não. É melhor ajudar a se prepararem para que saibam que não estão sozinhos.”

EI, DEUS, ESTÁ AÍ? SOU EU, A MARGARET

– Preço 49,90 (176 págs.); 26,90 (ebook)

– Autoria Judy Blume

– Editora Rocco

– Tradução Luisa Geisler

BÁRBARA BLUM / Folhapress

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