O Brasil está longe do caminho para colaborar com a manutenção de um mundo até 1,5º C acima dos níveis pré-industriais até 2030. Na verdade, se totalmente implementadas, as políticas ambientais atuais do País estarão alinhadas com um aquecimento de 3°C – o dobro do limite previsto pelo Acordo de Paris, pacto assinado em 2015 por 195 países. O alerta será feito nesta quinta-feira, 14, pelo relatório da organização global Transparência Climática (Climate Transparency), que reúne think tanks e ONGs de 16 países.
O estudo, que está em sua sétima edição, analisa todas as economias do G-20 para verificar como elas estão se saindo com a mudança climática. No Brasil, a meta climática do governo federal de reduzir as emissões em 43% (abaixo dos níveis de 2005) até 2030 e de atingir a neutralidade climática não está em linha com um caminho de 1,5°C.
(Agência Brasil/Arquivo)
De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima que faz essas medições, o desmatamento é responsável por quase metade das emissões brasileiras (44%). “Essas são emissões ineficientes, que não geram nada, não geram PIB (Produto Interno Bruto), não se ganha nada”, diz William Wills, coordenador da parte brasileira do estudo e pesquisador do Centro de Estudos Integrados em Mudanças Climáticas e Meio Ambiente (Centro Clima) da Universidade Federal do Rio (UFRJ), William Wills. “Temos de lutar para diminuir (as emissões).”
O relatório sublinha que o Brasil estabeleceu metas ambiciosas para reduzir desmatamento em seu Plano Nacional do Clima Mudança, em 2008, com o objetivo de reduzir o desmatamento em 80% até 2020 em relação ao período de referência 1996-2005. “No entanto, apesar de uma baixa histórica taxa de desmatamento em 2012, o desmatamento foi aumentando gradualmente desde então, mas disparou rapidamente novamente durante a pandemia de covid-19”, diz o texto.
O documento também afirma que “a administração (Jair) Bolsonaro removeu muitas proteções ambientais para as florestas”. O desmatamento acumulado entre agosto de 2020 e julho deste ano na Amazônia, por exemplo, foi o segundo maior do governo Jair Bolsonaro e o terceiro maior da série histórica, iniciada em 2015, segundo os mais recentes dados do Deter, sistema de alerta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
A previsão é de graves efeitos negativos. Com o aumento da temperatura média global de 3ºC, o território brasileiro ficará exposto a impactos muito elevados, como secas maiores e mais intensas, ondas de calor mais frequentes, aumento do número de dias com temperatura acima de 35°C e redução de chuvas. Essa combinação de fatores trará problemas tanto para saúde humana quanto para produtividade do agronegócio brasileiro, responsável por importante fatia do PIB.
Esse é um processo que já está em movimento. O Brasil teve um aumento médio de temperatura de 2,5°C nas regiões costeiras entre 1901 e 2012, por causa das mudanças climáticas. Os incêndios – em biomas importantes como a Amazônia e o Pantanal – também estão em alta.
Na véspera da COP-26, na Escócia, que começa no dia 31, o mundo estará atento ao que o Brasil deve apresentar na cúpula do clima. “O mundo já está olhando o comportamento do presidente e dos ministros brasileiros, já entendeu como funciona”, diz Wills. O Brasil deve ampliar suas metas de redução das emissões dos gases estufa e reduzir significativamente o desmate ilegal para ser protagonista relevante nas discussões da próxima Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-26), recomendou à gestão Bolsonaro nesta quarta-feira, 13, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. O movimento reúne representantes do agronegócio, do setor financeiro, da sociedade civil e da ciência do País.
ONU lançou ‘alerta vermelho’ para a humanidade
De acordo, com o relatório do IPCC (o painel da ONU sobre mudanças climáticas), ainda resta uma “janela de oportunidade”, cada vez menor, para os países tentarem limitar o aquecimento abaixo de 2ºC até 2100. Pela definição do Acordo de Paris, os governos devem se esforçar ao máximo para conter o aumento a até 1,5ºC, sob risco de o planeta atingir níveis inseguros de calor. Em agosto, durante a publicação do relatório da ONU, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que o documento das era um “alerta vermelho” para a humanidade.
O relatório da Transparência Climática aponta que, além do desmatamento, outras fontes de geração de gases do efeito estufa (GEE) também estão em ascensão. As emissões de GEE do Brasil, excluindo as mudanças no uso do solo, aumentaram 79% (1990-2018). Foram observados aumentos sustentados nas emissões relacionadas à energia em todos os setores, particularmente perceptíveis nos setores de transporte e eletricidade.
Embora o Brasil tenha uma matriz energética renovável maior do que a média dos países do G20, vem crescendo o uso de termoelétricas. A adoção dessa alternativa para a produção de energia tem crescido nos últimos meses, sob o impacto da maior crise de abastecimento hídrico dos reservatórios do País em 90 anos.
Entre 2018 e 2019, ainda segundo relatório, o Brasil forneceu uma média de US$ 108 milhões (R$ 592 milhões) por ano de dinheiro público para o setor de carvão, e US$ 1,1 bilhões (cerca de R$ 6 bilhões) por ano para o setor de petróleo e gás. No total, isso significa US$ 1,28 bilhões (cerca de R$ 7 bilhões) por ano em finanças públicas direcionadas aos combustíveis fósseis.
As emissões do transporte também crescem no País. Dados de 2017 indicam que 92% do transporte de passageiros e 59% do transporte de carga é feito por estradas. Ambos os setores ainda são dominados por combustíveis fósseis e os veículos elétricos (VE) representam apenas 0,12% das vendas de automóveis. O petróleo representa 72% do mix de energia no transporte brasileiro.