SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Anunciado pelo presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples busca fazer os tribunais do país adotarem estratégias de comunicação mais compreensíveis à população.
A iniciativa foi apresentada no dia 4 de dezembro durante o 17° Encontro Nacional do Poder Judiciário, junto com o “Selo Linguagem Simples”, que deverá ser entregue todo dia 13 de outubro às cortes que melhor se adequarem às diretrizes do pacto.
À semelhança do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, os tribunais brasileiros, com um convite formal do CNJ, podem aderir à iniciativa.
O pacto reúne alguns compromissos para os tribunais que assim o fizerem. Um deles, por exemplo, envolve estimular o uso de versões resumidas dos votos nas sessões de julgamento; outro cita o emprego de uma linguagem “direta e concisa” nos documentos e comunicados.
Os compromissos incluem ainda “explicar, sempre que possível, o impacto da decisão ou julgamento na vida do cidadão” e reformular protocolos de eventos, “dispensando, sempre que possível, formalidades excessivas”.
A implementação da linguagem simples requer, de acordo com o CNJ, tanto a troca de termos técnicos considerados desnecessários, quanto uma maior brevidade nas comunicações gerais com a sociedade.
“A gente sabe que algumas expressões –como ‘competência’, por exemplo, –têm um sentido na linguagem coloquial, e um outro no campo jurídico”, diz Adriana Cruz, secretária-geral do CNJ.
“Muitas vezes a gente precisa, sim, de uma linguagem técnica, mas essa linguagem técnica também pode ser acessível.”
É por isso que o pacto busca estimular a criação de manuais e guias voltados à população que expliquem os termos técnicos dos quais os tribunais não possam abrir mão.
Nesse universo, a iniciativa do conselho não está sozinha –diversas cortes brasileiras já publicaram manuais de linguagem simples, com recomendações para uma comunicação mais acessível.
Adriana explica que a função do CNJ é ser um “catalisador”, um agente para a difundir essas “boas iniciativas” que estão circulando.
Por outro lado, a produção dos textos é só um dos aspectos de uma mudança de cultura que está sendo proposta, diz. O “falar difícil” no mundo jurídico, explica Adriana, acaba sendo visto como símbolo de cultura –noção que, a seu ver, parece um pouco ultrapassada.
Daí, diz ela, a necessidade de trabalhar com a capacitação e conscientização de servidores e magistrados –ou, nos termos do pacto, uma “formação inicial e continuada de magistrados (as) e servidores (as)”.
O pacto também enfatiza a relação entre a linguagem simples e a acessibilidade e estimula o uso de ferramentas para uma maior inclusão da população, particularmente de pessoas com deficiências auditiva e visual.
“Quase todos os tribunais hoje têm canais no YouTube, alguns têm podcasts. Então a ideia é a gente estimular a produção desse material também em outros formatos para além do texto escrito que possam ampliar esse acesso”, complementa Adriana, sobre os formatos para além do texto escrito que poderão fazer parte da aplicação do pacto na prática.
Ivy Farias, advogada e organizadora de curso sobre linguagem simples para carreiras jurídicas, parabeniza a iniciativa por sua base legal — o pacto cita, dentre outros textos, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 da ONU, e a Constituição Federal, ambos documentos que mencionam a importância do acesso à Justiça.
A advogada, entretanto, diz ter sentido falta de uma definição mais precisa de “linguagem simples” no pacto. Ela enfatiza que o tema não é novo, e que definições e métodos para se implementar a linguagem simples já existem e são empregados.
O termo, por exemplo, já aparece em textos legislativos, tanto aprovados –a lei municipal nº 17.316 de São Paulo, por exemplo, que instituiu a Política Municipal de Linguagem Simples em 2020–, quanto em tramitação– o PL 6256/19, por uma “Política Nacional de Linguagem Simples”, aprovado na Câmara dos Deputados em 5 de dezembro, ainda a ser apreciado pelo Senado.
A lei municipal de São Paulo considera linguagem simples como sendo “o conjunto de práticas, instrumentos e sinais usados para transmitir informações de maneira clara e objetiva”, e o texto em linguagem simples como sendo aquele em que “as ideias, as palavras, as frases e a estrutura são organizadas para que o leitor encontre facilmente o que procura”.
Para Ivy, entre as estratégias essenciais para a linguagem simples, estão empregar a ordem direta (sujeito, verbo e complemento), evitar ou traduzir estrangeirismos, e não usar expressões discriminatórias e capacitistas. Apesar de o pacto fazer referência a algumas dessas medidas –cita, por exemplo, a eliminação de “termos excessivamente formais” — Ivy acredita que a falta de concretude na definição pode abrir brechas para que, nos tribunais do país, se criem suas próprias definições de linguagem simples.
O pacto, acredita Ivy, pode ser um primeiro passo para que outros órgãos do sistema de Justiça possam implementar suas próprias políticas de linguagem simples.
RENATO BROCCHI / Folhapress