Filósofa questiona produtivismo científico e defende desacelerar ciência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Vivemos um período na ciência em que a quantidade de artigos científicos publicados vale mais do que a qualidade. Mas diversos estudiosos vêm criticando o atual modelo.

No método produtivista, autores que são máquinas de escrever papers —ou simplesmente possuem os meios financeiros de estar em todos os artigos— acabam tendo vantagem, especialmente em áreas onde as novidades científicas estão em constante mudança.

Há, porém, um número crescente de vozes que são contrárias ao modelo, valorizando uma ciência feita mais lentamente, com propósitos mais bem definidos. Dentre elas, a filósofa belga Isabelle Stengers tem sido uma das personalidades mais ativas.

Para ela, os problemas ligados ao produtivismo acadêmico vão desde interesses econômicos por trás do que é produzido —como pesquisas visando o lucro de empresas patrocinadoras, mas não necessariamente melhorar a vida das pessoas— até o número alarmante de fraudes em publicações —só em 2023, foram 8.000 artigos retirados pela editora John Wiley & Sons.

“O problema é com o método de avaliação, uma vez que os cientistas são mensurados não pela sua carreira ou impacto, mas sim pela quantidade de artigos publicados”, disse Stengers, em entrevista à reportagem.

Formada em química pela Universidade Livre de Bruxelas, Stengers também é pesquisadora de filosofia e história da ciência. Autora de diversos livros, entre eles “A Invenção das Ciências Modernas” e “No Tempo das Catástrofes”, ela acaba de ter o seu livro “Uma Outra Ciência É Possível” publicado pela Bazar do Tempo no Brasil.

No texto, a cientista defende uma desaceleração da ciência que, segundo ela, não atende aos interesses da sociedade. O ritmo atual de produção, diz, também gera uma quantidade de artigos desnecessários publicados, além de muito conteúdo com qualidade duvidosa. “A pressão para produzir ciência em resultados que são rapidamente replicáveis e quantificáveis em geral leva a investigações superficiais e pouco relevantes”, afirmou.

Para a autora, isso pode até ser minimizado em algumas áreas, como a sua própria, mas é especialmente preocupante quando leva-se em consideração avanços científicos que podem trazer impactos para os seres humanos e o meio ambiente. É o caso dos OGM (organismos geneticamente modificados, conhecidos aqui pelo termo “transgênicos”) que, segundo ela, “deram certo no laboratório, mas não sabiam dos efeitos na vida real”.

“Os OGMs foram um trabalho científico interessante, mas assim que eles saíram do ambiente laboratorial os cultivos se espalharam por todo canto, inclusive danificando as plantações naturais. E isso foi completamente ignorado pelos cientistas”, disse.

Isso, inclusive, já foi tema de outros livros que escreveu em coautoria com o químico russo Ilya Prigogine. Há, para a pesquisadora, uma falta simetria entre os pesquisadores e a sociedade, uma vez que os primeiros tendem a pensar que são os designados a “resolver todos os problemas”, sem de fato incluir aqueles diretamente afetados —isto é, as pessoas comuns.

Assim como autores antes e junto dela, Stengers acredita que a inclusão e diversidade na pesquisa científica são fundamentais, mas não somente entre aqueles que produzem, mas também com aqueles que irão se beneficiar desta.

“Para mim, isso é o verdadeiro significado de uma desaceleração da ciência, e não apenas adaptar [a pesquisa] para estar a serviço das pessoas, mas principalmente trabalhar com as pessoas afetadas. É essa a ciência que acredito que deveria ser praticada”, conta.

É na mesma linha a crítica que a filósofa traz em seu livro anterior, “A Invenção das Ciências Modernas”, no qual se refere ao erro de sociólogos que julgam conhecer todo o aspecto da vida de seus “objetos” de pesquisa, deixando-os de fora dela própria.

Como solução, a desaceleração da ciência traz novamente os cientistas para esse “fazer ciência” mais inclusivo e voltado à tarefa de melhorar a vida de todos, como sociedade.

“Vemos um movimento crescente na França, na Bélgica, mas também em outros países europeus de pesquisadores que desistem [da ciência] ou abandonam seus estudos após o diploma de pós-graduação pois eles se deparam com a nova realidade para a qual não foram preparados. E isto faz com que a gente reflita: se o sistema atual deixa as pessoas de fora, como podemos ter esperança de um futuro melhor?”

UMA OUTRA CIÊNCIA É POSSÍVEL: MANIFESTO POR UMA DESACELERAÇÃO DAS CIÊNCIAS

– Preço R$ 74 (216 págs.)

– Autoria Isabelle Stengers

– Editora Bazar do Tempo

– Tradução Fernando Silva e Silva

ANA BOTTALLO / Folhapress

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