SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em setembro de 2023, após 27 anos, um suspeito foi formalmente acusado pelo assassinato de Tupac Shakur, em Las Vegas, em 7 de setembro de 1996. O rapper de 25 anos morreu seis dias depois, no Centro Médico Universitário da cidade, após uma série de cirurgias e em coma induzido, para evitar que tentasse fugir do local, o que acontecia em todos os momentos em que recuperava a consciência.
Shakur havia sido convidado para fazer o show de abertura de uma luta do boxeador Mike Tyson, então com 30 anos, que voltava aos ringues após passar três anos na cadeia. Ele havia sido condenado a seis anos de prisão por assediar uma das candidatas ao concurso de Miss America, do qual era um dos jurados, mas foi libertado depois de três anos por bom comportamento.
Tyson já tinha vencido as três primeiras lutas de que participou desde que reconquistara a liberdade, no ano anterior. Dois meses depois, seria derrotado por Evander Holyfield o que provocaria o pedido de revanche, aceito por Holyfield, e a infame mordida na orelha que marcaria para sempre a vida do lutador. Mas isso só aconteceria em junho de 1997.
Naquele setembro de 1996, Tyson lutaria contra o peso-pesado americano Bruce Seldon, em um dos duelos mais rápidos de todos os tempos: Seldon foi a nocaute no primeiro assalto, com apenas um minuto e 19 segundos de luta.
Quase tão rápida e voraz quanto um nocaute de Tyson foi a vida do rapper baleado naquela noite, Tupac Shakur, nascido no Harlem, em Nova York, em junho de 1971. Seu quarto álbum, “All Eyez on Me”, lançado sete meses antes, alcançou imediatamente a marca absurda de cinco vezes disco de platina o que não deve querer dizer nada para quem nasceu neste milênio, mas era bem parecido com transformá-lo em uma espécie de Taylor Swift de uma hora para outra.
Shakur é, até hoje, considerado um dos maiores rappers de todos os tempos, e foi sempre um ímã para todo tipo de controvérsia durante sua curta vida. Briguento e falastrão, transformava em debate qualquer diálogo, enfrentava jornalistas, diretores de videoclipes, colegas, assessores, assistentes, parentes, amigos e, principalmente, a polícia.
Desde sua morte trágica e precoce, tornou-se um símbolo, uma espécie de mártir para a militância no hip-hop. A prisão de Duane Keefe Davies, “Keefe D”, para os mais familiarizados com o caso, deu aos fãs, parentes e amigos do rapper o alívio de saber que sua morte não ficou impune.
Quase ao mesmo tempo em que essa notícia foi divulgada, saiu nos Estados Unidos o livro “Tupac Shakur: A Biografia Autorizada”, escrito por Staci Robinson e lançado no Brasil no final do ano passado pela editora Best Seller.
A obra causa um estranhamento natural desde o seu título. Como assim, uma biografia autorizada de um rapper morto aos 25 anos, décadas atrás?
Robinson explica logo na introdução que foi a mãe de Tupac, Afeni Shakur (1947-2016), quem encomendou o livro e deu essa bizarra autorização, assim como acesso irrestrito a todo material deixado pelo filho, como letras inéditas, diários, fotografias etc.
Quem conhece um pouco da história de Tupac sabe que a influência de sua mãe em sua vida e sua obra é quase tão bizarra quanto o fato dela ter autorizado a biografia do filho morto, muito jovem, mas maior de idade e certamente capaz de tomar suas próprias decisões.
Ex-Pantera Negra, Afeni passou parte da gravidez de Tupac na cadeia, junto de outros 20 membros do partido criado nos anos 1960 para combater a violência policial e a opressão racial, assim como lutar pela igualdade de direitos dos negros norte-americanos.
Criou seu primeiro filho na rédea curta, para que se tornasse um líder do movimento negro. Não gostou de perceber no menino a vontade de se apresentar em público, não queria um filho artista. Depois, virou sua empresária e fã número um. Mas não antes de se transformar em uma das primeiras vítimas da epidemia de crack, droga que a viciou durante quase toda a adolescência de Tupac.
Um dos grandes hits da carreira de Tupac é a música “Dear Mama”, escrita para Afeni, e usada como título de uma minissérie documental de quatro episódios sobre a vida do rapper e de sua mãe, lançada em 2022 e disponível no canal de streaming Prime Video. Staci Robinson foi uma das roteiristas e produtoras executivas do projeto.
Em entrevista à Folha, a escritora conta que este livro é o quarto projeto em que trabalha sobre a vida e a obra de seu ex-colega de escola que virou uma superestrela do rap.
“Fui curadora da exposição ‘Tupac Shakur: Wake Me When Im Free’, inaugurada em 2022 em Los Angeles e que contava a história dele de uma maneira única, convidando os visitantes para dentro do mundo de Tupac”, afirma.
Os outros projetos incluem o livro de entrevistas “Tupac Remembered: Bearing Witness to a Life and Legacy”, lançado em 2008 nos Estados Unidos, escrito por Robinson e Gloria Cox, e que não foi traduzido para o português.
Apesar da história de Tupac já ter sido contada diversas vezes, de várias maneiras, esta biografia dá a sensação de ter sido escrita a quente, já que Robinson de fato acompanhou toda a trajetória profissional do amigo e teve total acesso à família Shakur e aos muitos escritos deixados por Tupac.
Há cópias de letras inacabadas e escritos pessoais do rapper no livro, como se estivessem entre as páginas. São poemas rabiscados à mão, letras de raps, desenhos, rabiscos e devaneios que parecem janelas para sua mente.
Para Robinson, essa foi uma empreitada muito pessoal. Ela e Tupac se conheceram no ensino médio, numa escola no norte da Califórnia, e tinham planos de trabalhar juntos.
“Éramos amigos e tínhamos planos de escrever juntos. Tupac estava formando um grupo de escritoras exclusivamente feminino para colaborar e escrever filmes e programas de TV com ele. Eu seria uma dessas escritoras”, diz Robinson.
“Fomos amigos até o fim. A última vez que vi Tupac foi em sua casa, no dia em que ele partiu para dirigir até Las Vegas, onde foi morto”.
Robinson escreve na introdução que começou esta biografia a pedido de Afeni em 1999, mas que o projeto foi colocado “em espera” algumas semanas após ela enviar uma primeira versão. Chamada décadas depois para concluir o trabalho, Robinson passa suas páginas não apenas defendendo a integridade de Tupac, mas também o espírito de resistência que lhe foi incorporado por sua mãe.
“Afeni teve uma influência forte e muito bonita em Tupac. Ela não apenas passou para ele a tocha de carregar a missão altruísta de pensar na comunidade em primeiro lugar, de ajudar os outros a alcançar as necessidades mais básicas na vida, mas também instalou nele a mensagem de esperança e mudança”, afirma a autora.
Mas ela também não esconde o lado ruim de seu biografado, que por vezes soa como um garoto pentelho que não desiste nunca de argumentar e acredita que sempre tem razão.
“Tupac estava sempre irritado por causa da discriminação racial e a opressão que via na América. Ele ficava irritado com as estatísticas de homicídios, com a brutalidade policial que era predominante nos anos 1970, 1980 e 1990”, diz Robinson.
“Era como se ele carregasse toda a nossa raiva e a colocasse em seus ombros, corajosamente falando sobre isso, ao contrário de muitos de nós que não tinham força para abordar as desigualdades embutidas na história de nossa nação. Tupac não se ligava de se colocar no fogo cruzado da opinião pública e falava o que pensava. Ele estava irritado pelas razões certas”, completa.
O livro é um retrato tocante e empático de um amigo. Mesmo histórias conhecidas ganham nova profundidade contadas por uma pessoa tão próxima. E pequenos momentos cotidianos dão novos contornos à história quase mítica do ator-rapper-ativista assassinado aos 25 anos.
Assim como em “Dear Mama”, esta biografia vê o legado do rapper como inseparável do de sua mãe, e o livro começa não com Tupac, mas com Afeni sua exposição ao racismo no Sul dos Estados Unidos ainda sob as leis de segregação racial, sua prisão em Nova York como membro dos Panteras Negras e seu julgamento enquanto grávida.
As respostas culturais negras à injustiça foram transformadas em combustível para um artista precoce, sensível e ruidoso, que precisava desesperadamente da fama. Se não fosse reconhecido como grande artista cedo, não teria desculpa para persistir na carreira, já que seu destino era ser líder do movimento negro. Ele foi criado para ser o próximo Martin Luther King, o próximo Malcolm X, não o próximo Michael Jackson.
Embora o livro não se concentre muito na criação artística de Tupac, um letrista genial e muito hábil, capaz de escrever rapidamente sob pressão, Robinson defende a importância de sua obra, que continua ressoando até hoje.
“Tupac ainda é relevante porque a mensagem dele é atemporal. Os mesmos problemas sobre os quais ele falava e escrevia há mais de duas décadas continuam sem solução. Tudo o que ele disse nos anos 1990 continua atual. Enquanto as desigualdades na sociedade existirem, Tupac será relevante”.
Robinson, de maneira honesta, não escreve como se tivesse a pretensão de ser objetiva. Este é um livro escrito por uma admiradora, que, às vezes, até fala em nome de Tupac. Mas também não chega a ser uma elegia. É mais um apelo para que o leitor reexamine o mundo que fez de Tupac Shakur um homem tão irritado.
TUPAC SHAKUR: A BIOGRAFIA AUTORIZADA
– Preço R$ 89,90 (432 págs.); R$ 59,90 (ebook)
– Autoria Staci Robinson
– Tradução Karine Ribeiro
TETÉ RIBEIRO / Folhapress