SALVADOR, BA, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após cinco anos do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), a população local ainda vive reflexos sociais decorrentes da tragédia. As perdas humanas foram a primeira etapa de uma série de consequências, entre as quais a inflação e a falta de moradia e de perspectiva.
Pelo menos 26 municípios foram atingidos de alguma forma. Os quilombolas, como quase todos da região, também foram afetados. Algumas comunidades perderam plantações. Outras ficaram por meses isoladas, depois de o acesso com a região central ficar cheio de lama.
Esse isolamento impediu a venda dos produtos produzidos nos locais, às vezes a única renda das famílias. Os quilombolas também perderam consultas médicas importantes. Para essas comunidades, com histórico de grande dificuldade de acesso aos serviços públicos, isso causou prejuízo na saúde.
Na época, duas pessoas morreram no quilombo Marinhos, segundo a moradora Nair de Fátima Santana Silva, 62.
“Ficamos isolados da cidade de Brumadinho. A ponte que usávamos para ir [a parte central da cidade] foi interrompida. As quatro comunidades quilombolas que existem por aqui. Ficamos uns três meses isolados”.
Nair afirma que muitas pessoas da comunidade entraram com ações na Justiça pedindo indenização. Mas poucas delas conseguiram receber algum valor até agora. Ainda segundo ela, a Vale não ofereceu nenhum tipo de acordo indenizatório para os moradores do quilombo.
Os quilombolas recebem meio salário mínimo mensal. Dinheiro esse pago por meio do PTR (Programa de Transferência de Renda) conhecido na região como “bolsa tragédia” ou “bolsa Vale”. Ele é pago ao conjunto total da população local.
Hoje, o PTR atende a 132.094 pessoas nas cinco regiões da Bacia do Paraopeba. Foram R$ 2,18 bilhões transferidos aos beneficiários desde que a Fundação Getulio Vargas (FGV) passou a realizar os pagamentos, em novembro de 2021.
O pagamento faz parte do acordo de compensação aceito pela mineradora e não interfere na solicitação de indenização por danos individuais passiveis de análise na Justiça.
A professora Maria Fernanda Salcedo Repolês, coordenadora do Programa Polos de Cidadania da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), grupo que realiza ações com comunidades em vulnerabilização decorrentes de desastres, explica que a finalidade específica do PTR é trazer uma compensação, e não indenização, tendo em vista que a empresa gerou um prejuízo ao cotidiano.
“As empresas retiraram as pessoas das suas casas, aquelas que estavam em zonas de risco, e as colocaram em pousadas ao longo do Paraopeba. Essas remoções não se resolveram depois de cinco anos”, diz.
“Ela [a Vale] se recusa a fazer a reforma dos imóveis. Nem todas as indenizações foram pagas”, diz. “O PTR inundou o município de dinheiro. A média salarial era meio salário mínimo, de repente um negócio explode e começa a receber muito dinheiro.”
As consequências a longo prazo preocupam quem mora e trabalha na região, a qual deve voltar ao antigo e baixo padrão de vida quando o prazo de recebimento do auxílio acabar entre 2025 e 2026.
“Talvez [volte] até pior, com mais pobreza, porque não existe oportunidade de emprego, não existe ali outra economia. É um dinheiro que não está entrando para dinamizar a economia local, não está entrando para mudar a dependência na extração de minério, por exemplo”, diz Maria Fernanda.
Rosimara da Silva Santos, 36, presidente da associação quilombola do Quilombo Sapê, afirma que o custo de vida em Brumadinho aumentou muito.
“A maioria das coisas ficou mais cara. Frequentemente vem pessoas à comunidade oferecendo produtos diversos, achando que enriquecemos com o meio salário que recebemos da Vale.”
A agroecologia era uma das principais atividades econômicas da região, responsável pelo sustento da maioria das pessoas. Neste ramo, uma das consequências da tragédia foi a desvalorização destes produtos.
O rompimento da barragem aumentou o risco da contaminação dos alimentos antes comercializados pela comunidade, como mandioca, laranja, mexerica, abacate, hortaliças. Hoje, os produtos já não são mais procurados por medo dos efeitos, como explica Olizia Braga, do quilombo Ribeirão.
“As pessoas estão inseguras de consumir o nosso produto e, de fato, têm que estar mesmo.”
A quilombola diz que a comunidade não sabe exatamente quais pontos da região estão, de fato, contaminados.
“Além da questão psicológica, as pessoas estão com irritações. A cada dia tem alguém com uma coisa diferente na pele e coceira.”
No Sapê, os impactos à saúde mental se repetem. “A Comunidade foi afetada em diversos sentidos, desde o possível risco de contaminação do solo, da água e o abalo psicológico pela perda de pessoas amigas”, diz a líder Rosimara.
Embora ainda não haja estimativas oficiais, as ações realizadas pelo Polos de Cidadania observaram um aumento nas taxas de suicídio desde a tragédia.
“Temos um aumento exponencial, de acordo com os depoimentos, dos números de suicídios”, diz Maria Fernanda.
Minas Gerais é o terceiro estado com mais quilombolas no país, com 135.310 pessoas, segundo o Censo 2022 do IBGE. Somente em Brumadinho, são 666 pessoas autodeclaradas quilombolas.
Em resposta à Folha, a gestão Romeu Zema (Novo) disse que as ações de reparação do acordo judicial traz projetos que visam ao fortalecimento dos serviços públicos na região atingida.
Nesse sentido, os Povos e Comunidades Tradicionais, incluindo as comunidades quilombolas de Brumadinho, serão também contempladas com entregas e resultados derivados destas ações.
O governo afirmou ainda que as quatro comunidades quilombolas de Brumadinho Marinhos, Ribeirão, Rodrigues e Sapé estão participando ativamente da elaboração de projetos de reparação socioeconômica.
Ao longo de 2023, segundo o governo mineiro, foram definidos mais de 30 projetos para os municípios atingidos, posteriormente validados pelas comunidades. Atualmente, os quilombolas de Brumadinho participam da construção de projetos para a construção de um centro cultural.
O governo mineiro afirmou também que atua na reparação ambiental da região e projetos de compensação para a população prejudicada em geral.
Já a Vale disse que em 2023 foram selecionadas iniciativas voltadas para cultura, educação, infraestrutura, fomento econômico e acesso à água. Segundo a empresa, as quatro comunidades quilombolas de Brumadinho são acompanhadas desde 2019 por uma equipe da empresa.
Para além das iniciativas previstas no acordo judicial, a Vale afirma que apoia as comunidades quilombolas mencionadas por meio do Programa de Fomento do Turismo Sustentável.
A mineradora disse ainda que as moradias temporárias são disponibilizadas até que seja concluído o processo de indenização das famílias que precisaram deixar seus imóveis.
O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford
MARIANA BRASIL E TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress