SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça do Trabalho aceitou na quarta-feira (24) um recurso apresentado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) para reanalisar a eventual responsabilização dos principais acionistas da Americanas no pagamento de créditos trabalhistas que ficaram de fora da recuperação judicial.
A ação ajuízada pelo escritório LBS Advogadas e Advogados visa a desconsideração da personalidade jurídica das Americanas, o que pode resultar na responsabilização de seus sócios como pessoas físicas, comprometendo o patrimônio pessoal do trio de empresários Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira e Jorge Paulo Lemann.
“A companhia reforça que não há qualquer decisão que tenha determinado, pelo TRT, a desconsideração de sua personalidade jurídica”, disse a Americanas via assessoria de imprensa. Procurado, o trio de acionistas de referência da Americanas não se manifestou.
Logo que a fraude veio a público em janeiro de 2023, as centrais sindicais entraram com o pedido de estudo de IDPJ (Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica), mas ele foi inicialmente negado.
Agora, a segunda turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) formou maioria para acatar o recurso e reabrir a discussão. Com isso, o processo voltará para a primeira instância. Caso seja instaurado o IDPJ, ele ainda será processado e julgado pelo juiz de primeiro grau.
De início, os bancos credores da varejista planejavam usar o mesmo mecanismo na Justiça. Nos meses que se seguiram à revelação do escândalo contábil, porém, um acordo entre o trio de bilionários e as instituições financeiras foi costurado. Na recuperação judicial, elas virarão sócias da varejista.
O IDPJ é previsto no Código Civil e pode ser acionado “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Segundo o advogado especialista em recuperação judicial Filipe Denki, do Lara Martins Advogados, à Americanas cabe recurso junto ao TST (Tribunal Superior do Trabalho).
A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho se dá por conta de inadimplência da empresa com funcionários que foram desligados, explica Denki.
As dívidas trabalhistas da Americanas representavam pouco do montante de R$ 42,5 bilhões englobados pela recuperação judicial: eram R$ 82,9 milhões, que já foram pagos.
A dívida trabalhista reclamada pelas entidades sindicais se refere a créditos extraconcursais, ou seja, não submetidos à recuperação judicial. “São inúmeros processos trabalhistas pelo país”, diz José Eymard Loguercio, sócio e advogado do LBS.
Nos últimos 12 meses, a Americanas demitiu quase 11 mil pessoas. De acordo com o último relatório do administrador judicial, com dados que vão até 14 de janeiro, a varejista tem hoje 32.246 colaboradores sob o regime CLT (Consolidação das Lei do Trabalho). Em 12 de janeiro de 2023, dia seguinte ao anúncio de “inconsistências contábeis”, a empresa somava 43.123 funcionários, o que representa uma redução de 25%.
“Se a empresa não paga os extraconcursais que é obrigada a pagar, será que terá condições de honrar os créditos concursais que constam do plano de recuperação judicial aprovado?”, questiona Denki, da Lara Martins Advogados.
Ele lembra que, para os fornecedores, por exemplo, as condições foram descontos de até 80%, com o saldo podendo ser pago só em 2044. Uma das cláusulas impostas aos credores no plano que foi aprovado no último dia 19 de dezembro é a de que eles não poderão entrar na Justiça contra a empresa.
“Os mais de 35 mil trabalhadores diretos e indiretos da Americanas não podem pagar pela fraude. Responsabilizar os sócios é a única forma de defender a empresa e os empregos”, diz Valeir Ertle, secretário jurídico da CUT.
Também participam da ação a UGT (União Geral dos Trabalhadores), a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), a Força Sindical, a CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), a NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores), a Contracs-CUT (Confederação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) a e CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio).
DANIELE MADUREIRA E JÚLIA MOURA / Folhapress