SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil caiu dez posições e ficou em 104º lugar entre 180 países no ranking IPC (Índice de Percepção da Corrupção) de 2023, divulgado pela ONG Transparência Internacional nesta terça-feira (30). Em escala global, o levantamento aponta para um enfraquecimento do sistema judiciário e do Estado de Direito.
Enquanto a média mundial ficou estagnada em 43 pontos pelo 12º ano consecutivo o índice vai de 0, que caracteriza o cenário mais corrupto, a 100, para o mais íntegro, a pontuação brasileira caiu de 38 para 36 pontos no primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo o relatório, a responsabilidade pelo desmonte de marcos institucionais contra a corrupção que levaram décadas para ser erguidos é da gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022). Ao mesmo tempo, porém, o governo Lula vem falhando na reconstrução de mecanismos similares.
“Tivemos uma série de retrocessos nos últimos anos e agora estamos testemunhando a dificuldade do processo de reconstrução das instituições”, diz Guilherme France, gerente do centro de conhecimento anticorrupção da Transparência Internacional.
“A lição que fica é que o processo de degradação das instituições que compõem o Estado democrático de Direito pode acontecer de forma bastante rápida, mas o de reconstrução é demorado e demanda envolvimento de todos os atores da sociedade.”
Os fatores negativos que contribuem para o resultado envolvem o Executivo, Legislativo e Judiciário. O relatório lista entre os pontos negativos do governo Lula 3 a indicação de Cristiano Zanin, amigo pessoal do presidente, ao STF (Supremo Tribunal Federal); a manutenção, ainda que com uso limitado, das chamadas emendas do relator; e o aumento do fundo eleitoral para as eleições de 2024.
Embora o Brasil tenha caído posições no ranking, o relatório também menciona eventos que facilitaram o combate à corrupção ocorridos no Brasil no ano passado. São exemplos indicações para postos-chaves na Polícia Federal baseados em competências técnicas e a aprovação da reforma tributária, cuja simplificação pode dificultar práticas corruptas.
O país, contudo, ainda figura abaixo das médias global (43 pontos), das Américas (43 pontos) e dos Estados da OCDE, ou Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (66 pontos), no ranking. Sua pontuação também está abaixo da média de 48 pontos do grupo das nações classificadas de “democracias falhas”, que têm eleições livres e respeitam liberdades civis básicas, mas podem ter problemas como, por exemplo, violações da liberdade de imprensa.
Propostas da Transparência Internacional para combater a corrupção no Brasil incluem cessar o uso do que chama de “mecanismos opacos” nas negociações políticas, como as emendas do relator; promover independência e diversidade nas nomeações aos cargos de alto escalão; remover do governo funcionários que estejam sob investigação ou sendo processados por corrupção, entre outras medidas.
Numa perspectiva global, o levantamento mostra que a maioria dos países fez pouco ou nenhum progresso no combate à corrupção no setor público. Nos últimos 12 anos, o índice mostra que apenas 28 das 180 nações melhoraram seu desempenho no ranking, enquanto 34 países pioraram de forma significativa.
O relatório aponta que houve enfraquecimento dos sistemas judiciários e do Estado de Direito desde 2016, uma consequência do avanço do autoritarismo em alguns países. Mesmo em contextos democráticos, diz o estudo, os mecanismos que mantêm os governos sob controle enfraqueceram.
No continente americano, o Judiciário não está conseguindo cumprir o papel de controle sobre os outros poderes do governo, alerta o relatório. “A falta de independência judicial prejudica o Estado de Direito, promove a corrupção e leva à impunidade dos corruptos e poderosos”, diz trecho do texto.
Um exemplo é a Guatemala (23 pontos), país que registrou diminuição de dez pontos no IPC desde 2012. A queda é atribuída a três administrações sucessivas alinhadas com práticas corruptas, segundo o relatório. Nesse sentido, o presidente recém-empossado Bernardo Arévalo teria o desafio de desmantelar as redes de corrupção que se infiltraram no Estado para restaurar funções essenciais das instituições.
Apenas dois países, Guiana (40 pontos) e República Dominicana (35), melhoraram o desempenho no IPC na última década, enquanto os outros ficaram estagnados ou tiveram suas pontuações diminuídas.
O Canadá (76) e o Uruguai (73), com controles anticorrupção mais robustos, estão no topo da classificação regional. Venezuela (13), Haiti (17) e Nicarágua (17) têm as pontuações mais baixas, caracterizadas por impunidade generalizada e falta de independência do Judiciário, segundo o relatório. A ditadura venezuelana, que ocupa o 177º lugar no ranking, aliás, está à frente de apenas um país dos 180, a Somália.
O Chile (66) é destacado pelo CPI devido às “sólidas instituições democráticas e altos níveis de transparência”. No entanto, o país registrou queda na pontuação desde 2014. Este ano, a nação se encontra em um momento crucial, diz o relatório, com potencial para combater a corrupção e coibir o crime organizado se colocar em vigor as recomendações fornecidas pela Comissão Consultiva de Probidade e Transparência.
Os Estados Unidos, que têm eleições neste ano, aparecem em 24º lugar com 69 pontos, à frente da média global. Seus rivais China (42 pontos), em 76º lugar, e Rússia (26 pontos), em 141º lugar, estão atrás.
O Índice de Percepção da Corrupção analisou 180 países e territórios no ano passado, com base em 13 fontes independentes de dados cada local foi avaliado de acordo com pelo menos três delas. Elaborado desde 1995, o levantamento passou por alterações metodológicas em 2012, o que permite fazer a série histórica em que se observa a estagnação na média global em torno dos 43 pontos.
RENAN MARRA / Folhapress