BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O presidente Javier Milei finalmente deverá ver a “lei ônibus” que propôs para promover uma reforma ultraliberal na Argentina ser discutida na Câmara dos Deputados nesta quarta (31). Mas talvez não como imaginou. O projeto chega ao plenário desidratado diante da resistência de parlamentares, governadores e de parte da população.
Dos 664 artigos originais, sobraram 386. A lei foi sendo depenada pouco a pouco ao longo das últimas três semanas, diante de debates em comissões, de uma greve geral e de intensas negociações do governo para obter quórum, já que o presidente conta apenas com uma pequena minoria do Congresso.
A votação, que pode durar mais de 30 horas porque analisará pontualmente mais de uma centena dos artigos mais controversos, colocará à prova o apoio da chamada “oposição dialoguista” a Milei, formada por partidos de direita, centro-direita e centro. Diferentes forças indicaram que o acompanharão, com ressalvas.
“Até agora há uma clara derrota do governo, porque precisou diminuir a lei ônibus praticamente à metade e retirar grande parte do pacote fiscal. Mas não me atreveria a dizer que é uma derrota total, porque se os deputados a aprovarem, ainda será uma vitória”, diz Guido Bambini, analista do Centro de Economia Política Argentina (Cepa).
Um dos artigos que simboliza a meia vitória de Milei é o que lhe concede poderes excepcionais em diversas áreas enquanto durar a situação de emergência. O presidente queria que esses poderes durassem por até quatro anos. O texto segue ali, mas o prazo foi reduzido para no máximo dois anos e não valerá para assuntos fiscais e previdenciários.
Ficou de fora todo o coração fiscal da reforma, que incluía uma nova fórmula de reajuste da aposentadoria, a ampliação do imposto de renda e o aumento da taxação de exportações. Por outro lado, Milei manteve o poder de contrair dívidas externas sem o aval do Congresso e a possibilidade de privatizar total ou parcialmente 40 estatais.
Para que a sessão ocorra nesta quarta, é necessário um quórum de 129 dos 257 deputados, dos quais metade mais um precisam votar a favor da medida para que ela siga ao Senado.
Segundo cálculo feito pelo jornal Clarín, o governo conseguiu somar até aqui pelo menos 116 deputados que devem votar total ou parcialmente a favor da medida, enquanto a coalizão peronista e a esquerda reúnem ao menos 104 que votarão completamente contra.
Os recuos do presidente aconteceram em sucessão. No dia 22, após duas semanas de debates, o governo abriu mão de alguns pontos e apresentou uma nova versão do projeto que excluía 141 artigos, eliminando uma reforma eleitoral que pretendia acabar com as eleições primárias e retirando a petroleira YPF da lista de privatizações.
Isso permitiu que, na madrugada do dia 24, horas antes da greve geral convocada por centrais sindicais contrárias à lei ônibus, as comissões da Câmara chegassem a um “parecer de maioria”, permitindo que o texto fosse a plenário. No total, 55 deputados assinaram o relatório favorável ao governo, mas 34 deles com “dissidência parcial”.
A equipe de Milei tentou que a votação ocorresse ainda naquela semana, mas novas discordâncias travaram o debate e geraram uma série de farpas públicas entre o governo, governadores e deputados das diferentes forças políticas.
Na sexta (26), então, o ministro da Economia, Luis Caputo, convocou uma entrevista coletiva de última hora e anunciou a retirada de toda a parte fiscal do pacote. Foi o que aliviou as negociações e fez com que os deputados permitissem que o texto chegasse ao plenário.
JÚLIA BARBON / Folhapress