RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – A governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) em que pede a declaração de inconstitucionalidade de trechos da lei do Orçamento do estado aprovada em 2023 pela Assembleia Legislativa.
O episódio gerou uma nova crise entre o Executivo e o Legislativo, que têm tido embates periódicos desde o ano passado no estado. Dessa vez, a crise é maior porque envolve também o Judiciário e órgãos que podem ter o Orçamento afetados a depender da decisão do STF.
Os pontos suscitados na ação do Governo de Pernambuco no STF foram aprovados pela Assembleia e vetados pela governadora. Em seguida, o Legislativo derrubou os vetos de Raquel Lyra.
Uma das emendas questionadas por Raquel na ação, aberta na sexta-feira (26), é um trecho que prevê a necessidade de submeter as alterações orçamentárias dos demais Poderes a votação na Assembleia. “Há risco flagrante de a nova metodologia criar embaraços na rotina administrativa e financeira do governo do estado, violando-se a margem constitucional de discricionariedade do Poder Executivo”, diz.
O governo estadual também quer a derrubada da necessidade de repassar o excesso de arrecadação aos demais Poderes e instituições.
O Governo de Pernambuco também quer derrubar um trecho que prevê uma outra reserva de emendas parlamentares além da já prevista na Constituição estadual. A ação quer ainda que o Supremo analise trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias que impõem prazos para regulamentação de leis pendentes.
“O Poder Executivo não é órgão de assessoria técnico-contábil-financeira do Legislativo. Nem o poder de fiscalizar atributo decorrente do sistema de freios e contrapesos pode ser transformado em poder hierárquico do Legislativo sobre o Executivo, sob pena de este Poder perder sua expressão constitucional e não atingir sua missão”, alega o governo.
O relator no Supremo é o ministro André Mendonça. Com o fim do recesso do STF nesta quinta (1º), a expectativa é que a ação comece a tramitar.
Na divisão do excesso de Orçamento, devem receber verbas extras das sobras a Assembleia (R$ 71 milhões), o Tribunal de Contas (R$ 51 mi), a Defensoria Pública (R$ 18,9 mi), o Ministério Público (R$ 65 mi) e o Tribunal de Justiça (R$ 177 mi). Ao todo, o Tesouro estadual terá que destinar R$ 384 milhões a mais aos Poderes, segundo o governo.
A ação do governo gerou repercussão negativa na Assembleia. Nem os aliados próximos da governadora, que são minoria na Casa, foram a público defender o governo. Segundo informações de bastidores, o líder do governo, Izaías Régis (PSDB), externou a colegas que não sabia do processo no STF.
Em reação ao governo, o presidente da Assembleia, Álvaro Porto (PSDB), ligou para os presidentes dos órgãos que poderão ser impactados no Orçamento repudiando a ação do governo no Supremo. Na terça (30), a Casa publicou uma nota em que tece críticas ao Executivo estadual.
“Apesar do Estado registrar um excesso de arrecadação total da ordem de [R$] 6 bilhões em 2023, ao mesmo tempo em que os índices de violência disparam e hospitais públicos apresentam sérios problemas, causa estranheza o fato da governadora envidar esforços para tentar obstaculizar através da via judicial a destinação de recursos”, diz.
A Assembleia afirmou que a governadora deveria “encontrar soluções para os problemas que afligem o povo pernambucano nas áreas de saúde, segurança, educação e tantas outras”. Em manifestação nesta quinta (31) ao STF, a Assembleia classificou a medida do governo como “inadmissível ataque ao poder Legislativo” e defendeu a rejeição dos pedidos do Executivo.
Em nota à reportagem, por meio da Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco, o governo diz que a manutenção dos dispositivos questionados na lei do Orçamento vai contra o interesse público.
Afirma ainda que a fixação de prazo para o pagamento de emendas impositivas aos deputados até junho é inconstitucional, uma vez que a execução orçamentária é anual. Na mesma linha, critica “a imposição de crime de responsabilidade à chefe do Executivo estadual por suposta falta de prestação de informações relativas ao impacto orçamentário nos projetos de lei de iniciativa do próprio Legislativo”, adicionando que “essa obrigatoriedade viola o princípio da separação e harmonia dos Poderes”.
A relação de Raquel Lyra com a Assembleia está desgastada desde 2023, quando a Casa aprovou dois conselheiros para o TCE a contragosto da governadora, incluindo um sobrinho de Álvaro Porto. Depois, Álvaro foi reeleito para a presidência até 2026 em eleição antecipada.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o entorno da governadora acredita que o deputado tucano quer assumir o Executivo no futuro, derrubando Raquel e a vice-governadora Priscila Krause (Cidadania). Álvaro Porto nega a intenção.
Em relação ao Orçamento, a crise piorou quando Raquel sofreu uma derrota contundente, com 30 votos contrários de um total de 49, em outubro, na derrubada dos vetos, expondo a base frágil do governo na Casa. Outras propostas de interesse do Executivo tiveram aprovação na Casa, mas também com alterações. Os parlamentares se queixam da ausência de diálogo nos projetos.
O Legislativo volta do recesso nesta quinta (1º), e a promessa é de críticas ao Executivo na sessão.
“É um direito da governadora [ir ao STF] avaliar como inconstitucionais, mas acho que faltou diálogo. Isso agrava mais a relação”, diz o deputado João Paulo (PT), da oposição.
O deputado João Paulo Costa (PC do B) afirma que “a votação precisa ser respeitada”. “Respeito a governadora, mas tenho certeza que a presidência da Alepe vai adotar medidas para assegurar a decisão soberana do Parlamento.”
O deputado Coronel Alberto Feitosa (PL) diz que governar é “entender que os outros Poderes têm governanças e atribuições constitucionais”. “Raquel Lyra é totalmente repulsiva ao diálogo. O fim de Raquel do jeito que vai será um impeachment”, afirmou.
A reportagem procurou o líder do governo, Izaías Régis, mas ele não respondeu.
JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress