SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974, um incêndio no Edifício Joelma, no centro de São Paulo, matou 188 pessoas e chocou o Brasil. Hoje, 50 anos depois, os túmulos das Treze Almas viraram local de peregrinação e fonte de lendas.
Ali estão os corpos carbonizados de 13 pessoas que tentaram escapar pelo elevador, mas não conseguiram se salvar. Nunca identificados, foram enterrados no Cemitério São Pedro, também na capital paulista.
O enterro foi acompanhado por uma multidão. “Da Vila Alpina, do Jardim Independência, de todo lugar. Estava lotado”, recorda Renilton Dias dos Santos Queiroz, o “seu” Gugu, que era coveiro no Cemitério São Pedro à época do incêndio.
“Eles chegaram naquelas ‘kombis’ pretas. Os treze corpos nos caixões, naquelas urnas, e estava cheio de gente para ver. Mas não era da família, porque não foram reconhecidos. Eram curiosos.”
O incêndio no Joelma é considerado o terceiro maior do Brasil em vítimas. Fica atrás do Gran Circus Norte-Americano em 1961, com mais de 500 mortos, e a tragédia da boate Kiss em 2013, que vitimou 242 pessoas. Dada sua proporção, ficou marcado na memória de quem viveu aquele tempo.
Alguns anos após o enterro, pessoas passaram a relatar que ouviam gemidos das almas dos corpos enterrados. A solução popular para essas atividades paranormais foi jogar água (e às vezes leite) nos túmulos, já que elas pareciam estar sentindo as dores e o calor do incêndio. De acordo com a tradição, isso acalmava os espíritos.
Seu Gugu, que se aposentou em 2011, conta que nunca viu ou ouviu nada em seus 37 anos como coveiro. Segundo ele, porém, um colega (hoje também enterrado no cemitério São Pedro) contava ter experienciado esses encontros “do além”. “Ele falou que ouviu as almas gemendo, eu nunca vi”, diz.
ASSOMBRAÇÃO VIROU DEVOÇÃO
Os relatos sobre as Treze Almas se espalharam, e virou devoção. Preces e promessas passaram a ser feitas, pedindo intercessão das almas para alcançar graças, e a retribuição eram copos, garrafas e até baldes de água jogados e deixados em cima dos túmulos.
“É o trânsito de um caso de assombração para devoção. A gente não consegue encaixar questões sobrenaturais ou inexplicáveis na coluna do meio: ou temos um olhar muito religioso e dogmático, dentro de margens muito inflexíveis, ou tornamos um exotismo completo, de que aquilo não precisa ser considerado porque é uma história de fantasma, infantilizando essa relação”, explica Thiago de Souza, 44, pesquisador e idealizador do projeto “O que te Assombra”, que percorre lugares mal-assombrados de São Paulo.
Hoje, no local das sepulturas, há uma capela com placas de agradecimento às graças alcançadas. Construída cerca de 10 anos após o enterro das almas, segundo Seu Gugu, ela é mantida em uma parceria dos devotos com a administração do cemitério. Por intermédio das Treze Almas, pedidos relacionados a casas, faculdades e até filhos foram realizados.
O local é destino de peregrinação todos os dias, mas especialmente nas segundas, o dia das almas. “Vai devoto de todo o Brasil”, diz Seu Gugu.
A tradição da água também segue firme. Em cada um dos túmulos é possível ver uma garrafa aberta, que, segundo a administração do Cemitério da Vila Alpina, como é chamado hoje, é retirada e trocada com frequência para evitar focos de contágio da dengue.
MILAGREIROS DE CEMITÉRIO
A devoção às Treze Almas é um movimento totalmente popular. Não há participação ou endosso da Igreja Católica, que tem uma relação “complicada” com os milagreiros de cemitério, como são conhecidos esses “santos” não canonizados ou reconhecidos pelo Vaticano. A capela, por isso, não recebe missas.
“A igreja não tem nenhuma simpatia por milagreiros de cemitério, porque ela não tem interferência nesse tipo de devoção. E a beleza do fenômeno está exatamente nisso: não existe milagreiro de cemitério sem ter um devoto que acredite que ele seja poderoso, diferente da igreja que você pode ter santos sem devoção”, diz Thiago Souza.
A devoção às Treze Almas, no entanto, não é exclusiva de cristãos. De acordo com Souza, os espíritos também contam com a devoção de adeptos de religiões de matriz africana.
LENDAS URBANAS TAMBÉM SURGIRAM
O incêndio gerou uma série de lendas urbanas após relatos de sobreviventes. Por exemplo, Osório Gonçalves da Silva, um dos sobreviventes, compartilhou em uma entrevista ao UOL em 2014 que sua vida foi salva por uma criança que apareceu diante dele em uma visão. “Eu fui salvo graças a uma ajuda espiritual”, explicou o contador. Outro sobrevivente, o pastor evangélico William Conceição Ferraz, afirmou que foi guiado para a saída por um “anjo”. “Um anjo disse: levante e vem (sic)”, relatou o religioso.
Isso mexeu com o imaginário popular e muitos acreditam que almas ainda habitam o local. “Muitas pessoas atribuem que até hoje esses espíritos vagueiam pelos andares, gemendo e chorando”, contou o turismólogo Carlos Silvério em entrevista ao UOL.
O caso mais emblemático é de Volquimar Carvalho dos Santos, que trabalhava no 23º andar e morreu na tragédia. Meses depois, Chico Xavier psicografou uma carta atribuída a Volquimar, na qual a jovem consolava e tranquilizava sua mãe sobre o pós-morte. A história de Volquimar foi retratada no filme “Joelma, 23° Andar”, de 1979. Durante as filmagens, integrantes da equipe testemunharam ruídos inexplicáveis, refletores despencando sem causa aparente e até mesmo capturaram um suposto fenômeno “sobrenatural” em uma fotografia.
LUCAS ALMEIDA / Folhapress