MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Os sindicatos de agricultores na França anunciaram a suspensão dos bloqueios no país após anúncio de uma série de medidas pelo primeiro-ministro, Gabriel Attal, na tarde desta quinta (1º), em uma conferência para a imprensa em Paris.
A lista anunciada por Attal, que inclui uso de agrotóxicos, novo rechaço ao Mercosul e pacotes de apoio fiscal, foi considerada um “progresso concreto” pela FNSEA (Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores), maior sindicato agrícola da França, e pelos Jovens Agricultores (JA).
Juntas, as duas entidades lideram os chamados “agricultores em fúria” e foram as grandes organizadoras das mobilizações que tomaram a França há duas semanas, incluindo um cerco a Paris desde a última segunda-feira (29).
Segundo o presidente da FNSEA, Arnaud Rousseau, “os agricultores dos pontos de bloqueio devem agora regressar às suas fazendas com toda a segurança”. Durante a semana, os bloqueios se estenderam à Bélgica, Alemanha e Espanha.
No anúncio, o primeiro-ministro reiterou sua oposição ao tratado com o Mercosul. “Não há dúvida de que a França não aceitará este tratado. Isso está claro”, afirmou, citando a “concorrência desleal” como razão. Também falou da criação de uma agência para defender os interesses dos agricultores franceses frente à importação de produtos “fraudados”.
Os dois blocos econômicos reabriram no ano passado uma discussão sobre os termos do acordo, cuja negociação havia sido concluída em 2019, durante o governo Bolsonaro. Desde então, com forte oposição europeia à falta de política ambiental e de direitos humanos da então gestão presidencial, as tratativas foram interrompidas.
Com a eleição de Lula, havia a expectativa de que o documento começasse a andar dentro da estrutura de decisão europeia, mas oposições de ambos os lados criaram dificuldades. Nos últimos anos, a União Europeia passou a exigir um compromisso lateral que impõe sanções ao Mercosul no caso de descumprimento de regras ambientais, mas as contrapartes latino-americanas se opõem aos termos desse anexo.
Além disso, o governo brasileiro quer rever a abertura para que empresas europeias concorram com brasileiras em compras governamentais. Os dois blocos seguem negociando em nível diplomático, mas, no final do ano passado, cancelaram um esperado anúncio de que haviam acertado todas as arestas.
Outra dificuldade para a tramitação do acordo é a força política de setores agropecuários em países como França, Bélgica e Holanda, que temem perder mercado para produtos latino-americanos que, na versão deles, não cumprem as mesmas rigorosas regras ambientas a que estão submetidos os europeus.
“Vamos propor a criação de uma força de controle europeia para lutar contra a fraude, nomeadamente a fraude sanitária, e, portanto, contra a importação de produtos que não respeitam as nossas regras a nível europeu e francês, as mesmas regras a que estão sujeitos os nossos agricultores”, afirmou, acrescentando que trabalha em uma cláusula a respeito das aves importadas da Ucrânia.
Talvez o ponto mais polêmico anunciado seja a pausa do plano Ecophyto, que visa reduzir o uso de agrotóxicos no país. A rigor, o plano acumula mais de 15 anos de fracassos, uma vez que foi aventado ainda em 2008, quando se determinou que, até 2018, o uso de pesticidas nas plantações deveria ser reduzido pela metade.
Como pouco se havia avançado até 2015, naquele ano, o governo lançou o Ecophyto 2, adiando o prazo para 2025. Três anos depois, mais um atraso: o Ecophyto 2+ assumia a redução pela metade até 2030.
Agora, Attal transforma o plano no Ecophyto 2030, no qual mantém a data estabelecida, mas, em vez de calcular a redução de 50% em cima da quantidade de pesticida utilizada entre 2009-2011, passa a usar a média de 2015-2017 como base.
Attal também falou sobre impedir a importação para França de frutas e vegetais tratados com o pesticida tiaclopride, produto que já não pode ser usado nas plantações da Europa.
O primeiro-ministro anunciou ainda um plano de apoio fiscal e social a partir deste ano e a longo prazo, de 150 milhões (R$ 800 milhões). “Nossos criadores precisam de apoio específico”, concedeu. “Finalmente, no que diz respeito às pensões, vamos reformular as propostas atuais, porque a reforma é sempre fruto de uma vida de trabalho.”
Para restaurar “rendimentos aos agricultores, ou seja, a dignidade dos nossos agricultores”, foi anunciado pelo ministro da Economia, Bruno Le Maire, que “todas as grandes redes de supermercados passarão a ser controladas nos próximos dias”. Trata-se do fortalecimento a uma lei que deveria proteger a remuneração dos produtores agrícolas nas negociações entre grandes varejistas e fornecedores agroindustriais.
Outras medidas foram a flexibilização da lei que obriga fazendeiros a restaurar prados não utilizados pela agricultura, o lançamento de mais de 10 mil certificados de controle sobre a origem de produtos e o aumento de isenção na compra, venda, doação e herança de imóveis rurais.
Existem quase 400 mil agricultores na França, país com a maior produção agrícola do bloco europeu. Muitos desses trabalhadores enfrentam dificuldades financeiras e dizem que os seus meios de subsistência estão sendo ameaçados.
IVAN FINOTTI / Folhapress