Reajuste nas bolsas de pós-graduação e novas normas garantem permanência de pesquisadores

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Criada na periferia de Duque de Caxias (RJ), Loíse Lorena Santos, 28, não se imaginava na pós-graduação. Hoje, ela é doutoranda em psicologia social na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

O interesse surgiu quando ela entrou para um projeto acadêmico no qual estudantes de psicologia negros ofereciam atendimento terapêutico para pessoas pretas e pardas, em 2018.

Para se manter nas atividades, ela se inscreveu na seleção de mestrado e foi aprovada para uma bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de R$ 1.500.

“Por causa da ação afirmativa da universidade para alunos de baixa renda, o programa de pós-graduação oferece as bolsas primeiro para os estudantes cotistas. Como eu tinha entrado por cota de renda e raça, consegui”, conta.

O benefício está disponível para estudantes de programas stricto sensu (mestrado ou doutorado) de instituições de ensino superior.

Ao se inscrever para o doutorado, foi o currículo de Loíse que garantiu o subsídio, dessa vez via ampla concorrência.

Meses depois, ela trocou a bolsa por uma de maior valor, da Uerj, passando de R$ 2.200 para R$ 4.300 por mês.

O valor é superior ao das bolsas concedidas pelo governo federal, mesmo após o reajuste anunciado em fevereiro de 2023, após dez anos sem revisão. A de mestrado foi de R$ 1.500 para R$ 2.100. A de doutorado, de R$ 2.200 para R$ 3.100. Já no pós-doutorado, o benefício passou de R$ 4.100 para R$ 5.200.

Em termos de comparação, o salário mínimo foi de R$ 622,73, em 2012, para R$ 678 em 2013, quando as bolsas haviam sido reajustadas pela última vez. Em 2022, chegou a R$ 1.212, enquanto as bolsas permaneciam iguais.

“A maior parte da pesquisa é feita pelos estudantes de pós-graduação, mas isso não é reconhecido como um trabalho. Quando eu olho para essa questão, penso ‘cara, essa remuneração tinha que ser muito melhor’, mas reconheço que esse reajuste fez muita diferença'”, afirma Loíse.

Mercedes Bustamante, presidente da Capes, diz que o reajuste é um reconhecimento aos pesquisadores.

“Tem um componente social importante, no sentido de permitir condições de vida mais adequadas. As bolsas têm papel importante também na economia, sobretudo nos pequenos municípios.”

É o que acontece com a estudante de mestrado em filosofia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Natália da Silva, 38. Prestes a terminar o curso pós-graduação como bolsista Capes, ela se prepara para ingressar no doutorado já em março.

Natural de São Vicente, na Região Metropolitana da Baixada Santista, ela terminou o ensino médio em 1999, mas não teve acesso ao ensino superior até seus 28 anos. Desde então, Natália tem contado com bolsas de auxílio permanência, vale bandeijão, entre outros recursos para concluir os estudos.

Para a coordenadora do Observatório do Conhecimento, Mayra Goulart, o reajuste demonstra o compromisso do governo com a ciência e a tecnologia, mas é insuficiente. “Com inflação, não conseguiram chegar [proporcionalmente] nem perto dos valores do passado”, afirma.

Por outro lado, ela defende que a questão financeira não seja a única considerada na hora de se planejar a carreira.

“O aluno que está na pós-graduação deve ter uma perspectiva de ganho futuro. Eu não acredito na pós-graduação como um lugar de enriquecimento. É para aqueles que querem produzir conhecimento”, diz ela.

Outra mudança foi a flexibilização das normas para o acúmulo do benefício e atividades remuneradas.

Antes, para que um aluno fosse contemplado com bolsas oferecidas por agências como a Capes e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), precisava ter dedicação exclusiva, ou seja, não poderia acumular o subsídio e um emprego formal.

Com a revisão, em julho do ano passado, é permitido somar atividades, especialmente quando o trabalho se relaciona com o tema de pesquisa.

Para Roberto Schaeffer, professor titular de economia da energia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a mudança pode atrair estudantes e evitar a evasão, mas tem como desvantagem tirar o foco da pesquisa.

“Sou mais favorável a essa remuneração vir de projetos de pesquisa na universidade associados a um trabalho do aluno [em laboratórios, por exemplo] que a um segundo emprego, pois aí nenhuma das duas coisas será bem feita.”

A Capes concede 103,2 mil bolsas para estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado de instituições públicas, comunitárias e privadas de todos os estados.

A PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, tem cerca de 1,1 mil bolsas de fundações como a Capes, o CNPq e a Fapesp, além das bolsas filantropia subsidiadas pela Fundação São Paulo, mantenedora da instituição. Elas são distribuídas entre os estudantes de mestrado e doutorado de 25 programas acadêmicos.

De acordo com o professor Odair Furtado, assistente da Pró-Reitoria de Pós Graduação da PUC-SP, todo aluno matriculado pode concorrer às bolsas das agências de fomento na PUC.

“Geralmente, a distribuição é por mérito e a comissão avalia a qualidade do projeto dos alunos interessados”, afirma. Como política de inclusão, 30% das bolsas disponíveis são destinadas a alunos das cotas étnico-raciais (autodeclarados pretos, pardos ou indígenas).

Para Furtado, as bolsas de pós-graduação garantem a independência e a autonomia científica do país. “O Brasil ainda não atingiu um percentual de doutores que se equipare com os países mais produtivos no campo científico. Temos um longo caminho pela frente e a bolsa é vital para construir esse nosso futuro.”

COMO CONSEGUIR UMA BOLSA DE PÓS-GRADUAÇÃO

O primeiro passo para ter acesso a uma bolsa da Capes, seja no Brasil ou no exterior, é estar vinculado a um programa de pós-graduação stricto senso (mestrado ou doutorado) de alguma instituição de ensino superior;

Deve-se verificar as regras de cada Programa de Pós-Graduação junto à própria instituição, responsável por fazer a seleção e indicar os bolsistas;

Em geral, recebem as bolsas o estudante, pesquisador ou professor cujo currículo acadêmico se destaca. São consideradas desde as notas durante a graduação até a publicação de artigos, ensaios ou capítulos de livros, além da participação em congressos. A forma como cada item é pontuado varia por instituição;

Em especial, é avaliado o projeto de pesquisa, no qual o estudante e futuro pesquisador apresenta quais temas pretende pesquisar, principais autores relacionados, metodologia e possíveis orientadores, já habituados com o tema;

Os primeiros colocados são contemplados com a bolsa de pesquisa, de acordo com o orçamento disponível

Há instituições que reservam algumas bolsas para estudantes de baixa renda ou cotistas. Vale pesquisar se esse é o caso;

As bolsas de mestrado têm duração de até 24 meses e as de doutorado, até 48 meses. Os programas podem indicar novos bolsistas em caso de liberação da bolsa pelo titular.

PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress

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