Anna Maria Maiolino brinca com a linha e o ponto em sua nova mostra em São Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há sete anos, Anna Maria Maiolino colocou tinta nanquim num conta-gotas e começou a pingar sobre o papel. Os líquidos preto e vermelho caíam na forma de pontos na superfície, mas a artista achou um jeito de criar linhas a partir das gotas, em traços tão retos quanto a mão livre permitia ou circulares como labirintos.

“São questões geométricas —a linha feita de pontos. Importa a pulsão vital da minha mão realizando isso, como está sendo colocada essa gota, a que altura. Há uma performance do fazer, uma gestualidade. E é importante a qualidade do papel, se ele é mais permeável ou não. É quase uma brincadeira de criança”, diz a artista.

Intitulada “Conta-gotas”, a série de desenhos inéditos é um dos momentos-chave da terceira exposição de Maiolino em sua galeria paulistana, Luisa Strina, que abre para o público neste sábado, ocupando os dois espaços expositivos do local e também o escritório da galerista.

A mostra vem num momento de reconhecimento e celebração da obra de Maiolino, uma imigrante italiana que saiu de seu país depois da Segunda Guerra e aportou no Rio de Janeiro em 1960 para escalar, década após década, o panteão da arte brasileira.

Aos 81 anos, ela ganhará em abril o prêmio pelo conjunto de sua obra na Bienal de Veneza, exposição na qual participa com um trabalho na mostra principal.

Na galeria estão reunidos 45 trabalhos escolhidos pela artista e realizados da década de 1990 em diante, o equivalente a mais ou menos metade de seus 64 anos de carreira. O recorte engloba obras que Maiolino considera maduras —esculturas de chão, de mesa e de parede, pinturas em grandes dimensões, desenhos, vídeos e fotografias.

“Não me acho fotógrafa nem ‘videomaker’. Sou uma experimentadora de suportes que permite divagar com minha fantasia e meu desejo de experimentação”, ela diz, numa conversa por telefone na qual volta e meia sobressai no falar sua entonação italiana. “Não sou uma artista de uma nota só.”

Como os trabalhos expostos são abstratos, não contam histórias —assim como boa parte da obra da artista—, uma maneira de entender a mostra é pensar no ponto e na linha como a gênese da produção de Maiolino, diz a organizadora da exposição, Kiki Mazzucchelli.

Estas formas se repetem em diferentes suportes, como nas grandes pinturas vermelhas nas quais uma figura arredondada se derrete pela tela ou num trabalho de bastões de gesso preso à parede.

Maiolino interpreta o ponto e a linha de maneira ampla, não apenas com rigor. Na série de fotos em preto e branco “Corpo – Paisagem”, de 2018, a artista aponta a câmera para seus olhos fechados e para fragmentos de seu rosto de modo que, para quem presta atenção, os vincos e os pontinhos deixados pela idade na pele se tornam as formas geométricas.

Outro destaque da mostra é uma série de quatro fotos, também em preto e branco, onde vemos uma mulher de burca, em pé, na frente de corpos de animais pendurados em ganchos num frigorífico. Uma das imagens parece um raio-x, como se o negativo fotográfico tivesse sido ampliado, e em outra a artista escurece a tela, exceto os pés e uma das mãos da personagem, que ficam brancos e saltam aos olhos como fantasmagorias.

Chamada “A Vida Como É”, a série resultou de uma bolsa da Rockfeller Foundation que levou a artista para uma temporada de trabalho em Bellagio, na Itália. Maiolino primeiro fotografa e depois trata as imagens no computador, em obras que tratam de mutilação de forma metafórica, segundo ela. Esta é a primeira vez que as fotografias são exibidas.

Durante a conversa, Maiolino soa contente e, quando não se lembra de algum detalhe ou data específica, pede ajuda à sua assistente, que trabalha com ela há 18 anos e a quem chama de “meu HD externo”.

Sua alegria tem razão de ser —na semana que vem, a artista parte rumo a Veneza para preparar a obra que apresentará na bienal, uma instalação monumental feita de argila, material com o qual trabalha desde o fim da década de 1980.

“Estou feliz de estar em Veneza como artista brasileira, porque devo muito ao Brasil. Aprendi muito com os artistas cariocas —o uso da liberdade e da experimentação que eles tinham com a arte”, ela diz, em referência aos seus anos no Rio de Janeiro, período em que estudou pintura, escultura e xilogravura na Escola Nacional de Belas Artes. Ela também participou da clássica exposição “Nova Objetividade Brasileira”, no Museu de Arte Moderna do Rio, quando estava no início de sua carreira.

Ao refletir sobre seu tempo de vida e as seis décadas de produção artística, Maiolino afirma ter muita bagagem e muita memória. Mas faz uma ponderação sobre seu estado de espírito bem-humorado. “A arte sempre te dá aconchego e amparo. É muita alegria e essa alegria pesa nas tuas costas. Não é só a tragédia que pesa, a alegria da arte pesa e te preocupa.”

A exposição de Maiolino abre as comemorações das cinco décadas de fundação da galeria Luisa Strina, que se completam este ano. Criada e comandada pela galerista de mesmo nome, o espaço é hoje uma das principais casas de arte do país —fazer parte do elenco de artistas representados pela marchand é visto no mercado como um selo qualidade. Estão previstas mostras de nomes fortes da casa, como Renata Lucas, Fernanda Gomes, Leonor Antunes e Mira Schendel, além da publicação de um livro.

ANNA MARIA MAIOLINO – QUERER NÃO QUERER, DESEJAR E TEMER

Quando Sáb. (3) até 16 de março. Seg. à sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 17h

Onde Galeria Luisa Strina – r. Padre João Manuel, 755, São Paulo

Preço Grátis

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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