MANAUS. AM (FOLHAPRESS) – A Petrobras agiu por seis vezes, pelo menos, para protelar o pagamento de uma compensação ambiental devida em razão da tentativa de exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas. O projeto acabou abandonado, após um acidente, o que não anulou a obrigação da compensação. O valor original da dívida era de R$ 140 mil.
Documentos obtidos pela Folha, parte deles por meio da Lei de Acesso à Informação, detalham a estratégia protelatória da estatal nos anos de 2014, 2016, 2017, 2019 e 2021.
A ofensiva teve êxito. O processo se arrasta por mais de nove anos, como mostrou reportagem do jornal publicada em 10 de dezembro. Até hoje, a compensação não foi depositada, e o valor foi atualizado para R$ 282 mil.
A empresa e o governo Lula (PT) manifestam o desejo de explorar um outro bloco, com possibilidade de impacto negativo no ambiente ainda maior, conforme um cálculo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o que, portanto, exige o desembolso de compensação ainda mais alta: R$ 4,3 milhões.
Os ofícios da Petrobras para tentar escapar do pagamento foram enviados ao Ibama, responsável pelo cálculo do grau de impacto do empreendimento e pela definição do valor da compensação, e ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), destinatário dos recursos.
Os motivos para protelar o depósito, apresentados pela estatal, foram os mais diversos: falta de obrigatoriedade de pagar uma compensação em casos de perfuração para prospecção de petróleo, necessidade de análise por um órgão hierárquico superior, limitações na tramitação interna de processos e discordância do critério para atualização monetária.
Em nota, a Petrobras afirmou que não protela o pagamento e que a destinação dos recursos foi definida em 2018, na Câmara de Compensação Ambiental e Florestal. “Somente em junho de 2023, o Ibama definiu a taxa de atualização monetária do valor de pagamento e, com isso, em dezembro de 2023, o ICMBio disponibilizou a versão final do termo de compromisso para assinatura.”
A assinatura do documento ocorreu no último dia 15, segundo a estatal. A empresa disse que o valor será pago em abril, após publicação de índice de atualização.
O destino do dinheiro deve ser o Parque Nacional do Cabo Orange, que fica na região de Oiapoque (AP). A reserva é uma importante e delicada área de conservação de mangues e campos inundáveis.
O bloco na bacia Foz do Amazonas em questão é o FZA-4, que fica a uma distância de 110 a 126 km da costa do Amapá.
Em dezembro de 2011, durante atividade de perfuração do bloco, um acidente resultou em danos em equipamentos e em vazamento de óleo hidráulico. A Petrobras abandonou o projeto de vez em 2016 –e prosseguiu com a protelação do pagamento da compensação ambiental.
“O poço permaneceu em condição absolutamente segura a todo momento e não houve qualquer dano ao meio ambiente ou acidentes com pessoas”, disse a Petrobras. “Nenhum equipamento de perfuração foi deixado no fundo do mar e qualquer ilação contrária é improcedente.”
O chamado bloco 59, que a estatal e o governo Lula (PT) querem explorar ainda em 2024, está bem próximo do FZA-4. A distância da costa, na linha de Oiapoque, é de 160 a 179 km.
Em maio de 2023, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, negou concessão de licença para perfuração do bloco 59. A Petrobras recorreu, e Lula é favorável à exploração de petróleo na costa amazônica, apesar dos riscos ambientais, das críticas pela aposta em combustíveis fósseis e da contradição com planos assumidos pelo governo para redução de emissão de gases de efeito estufa.
Reportagem publicada pela Folha na terça-feira (30) mostrou que o grau de impacto ambiental do projeto no bloco 59 atingiu escala máxima, com alta magnitude do impacto negativo, influência em biodiversidade formada por espécies ameaçadas de extinção e comprometimento de áreas ainda desconhecidas.
O cálculo é feito pelo Ibama, para definição do valor da compensação ambiental. O grau de impacto foi calculado em 0,5%, numa escala de 0 a 0,5% –o maior valor, portanto.
Já no caso da perfuração no bloco FZA-4, o índice ficou em 0,28%, embora componentes usados no cálculo tenham atingido valores máximos, como a magnitude dos potenciais impactos.
Para o projeto que a Petrobras e o governo querem explorar, o Ibama definiu que a compensação ambiental a ser paga é de R$ 4,3 milhões. O valor é definido com a multiplicação do grau de impacto pelo valor de referência do empreendimento, informado pela estatal –R$ 859,6 milhões.
A compensação obrigatória para o atual projeto na bacia Foz do Amazonas é bem superior à do projeto anterior, cujo pagamento a Petrobras buscou evitar.
O processo referente à primeira compensação foi aberto em agosto de 2014. Em novembro, a Petrobras enviou ofício ao presidente do Ibama para dizer que a compensação, listada como uma condição na licença de operação, não era “cabível”.
“A compensação ambiental incide apenas sobre a implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental não mitigável, excluindo-se quaisquer atividades relativas à pesquisa exploratória”, argumentou a Petrobras no ofício.
A área jurídica, a diretoria de licenciamento e a presidência do Ibama consideraram adequada a cobrança da compensação. Houve novas manifestações da Petrobras ao órgão ambiental, na mesma linha, em janeiro de 2016 e em agosto de 2017.
Em junho de 2019, foi elaborada uma minuta do termo de compromisso para o pagamento da compensação ambiental, assim como um cronograma para quitação do débito em 30 dias. Em outubro daquele ano, a Petrobras pediu ao ICMBio a suspensão da tramitação do processo, em razão de “limitações na tramitação interna”.
Em 2021, houve duas novas manifestações da estatal, uma com pedido de suspensão de prazos e outra com discordância sobre o critério utilizado para a atualização monetária da compensação ambiental.
O ICMBio afirmou que comunicaria o Ibama, naquele ano, sobre a demora do pagamento, para que procedimentos legais fossem adotados em relação à Petrobras. O Parque Nacional do Cabo Orange seguiu sem o dinheiro pelos dois anos seguintes.
VINICIUS SASSINE / Folhapress