SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um romance recheado de espíritos que habitam espaços urbanos como uma mistura de Studio Ghibli com “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. Assim é “Doce Amanhã”, da escritora japonesa Banana Yoshimoto.
Na obra, a barreira que separa os vivos dos mortos é diáfana, e um léxico abundante em termos que remetem à transparência, impermanência e fugacidade ajuda a criar a aura de verossimilhança. Resulta muito natural, assim, que a protagonista enxergue a energia que certos objetos emanam ou almas ocupando seus antigos lugares.
A história é narrada em primeira pessoa pela voz cândida de Sayo, uma jovem mulher vítima de um acidente de carro com o namorado Yoichi, mas só ele morre.
O livro não escapa de narrar o luto da personagem, tema que parece recorrente no mercado editorial de um mundo com epidemias, guerras e desastres. Some-se a isso certa tendência literária de escrita memorialística sobre famílias e o luto será um assunto praticamente incontornável.
Mas Yoshimoto é hábil em falar do assunto de uma maneira muito peculiar que enche de esperança os que ficam. A ficção não precisa educar ou orientar. No posfácio, porém, a escritora conta que escreveu pensando em ajudar os afetados –vivos ou mortos– pelo terremoto da região de Fukushima em 2011.
Fornecendo uma perspectiva do pensamento oriental, incluindo o budismo, Yoshimoto realiza um livro que é puro conforto sem ser piegas. Sua estratégia é a valorização da vida. “Estar vivo ou morto dá no mesmo. Todos temos realmente tudo dentro de nós”, diz a personagem, sem nada de cinismo em seu raciocínio.
No acidente, ela foi perfurada por uma barra de metal que o namorado usaria para fazer uma escultura. O ferimento, de difícil recuperação, serve como metáfora para o portal que se abriu para ela a partir de sua experiência de quase morte.
No mundo dos mortos, é recebida pelo cachorro de estimação e pelo avô, que recomenda: “Volte ao mundo dos vivos para aprender melhor a viver”. Seguindo o conselho, vai descobrindo que a vida não depende, necessariamente, da matéria.
Todos estão vivos, mesmo que na memória, no legado do trabalho (no caso do avô e do namorado, ambos escultores, em suas obras de arte) ou até mesmo nos altares budistas para os mortos.
A expressão dos sentidos da narradora, descrevendo o que vê, escuta e sente, torna tudo mais bonito e transcendente, coberto por uma névoa de vitalidade. Ela chega a se sentir parte integrante da paisagem natural de Quioto, onde fica o ateliê do namorado –uma das chaves para entender que a vida é um todo, incluindo a natureza, não apenas da existência humana.
Sayo demonstra genuína gratidão por estar viva e passa a valorizar aquilo que antes era banal. “O ruído da água borbulhando dentro da cafeteira ressoou e o aroma do café se espalhou. O som se assemelhava a uma suave oração”, relata a narradora. Afinal, como a personagem aprende, “viver é algo simplesmente extraordinário”.
DOCE AMANHÃ
Preço: R$ 59 (128 págs.)
Autoria: Banana Yoshimoto
Editora: Estação Liberdade
Tradução: Jefferson José Teixeira
Avaliação: Muito bom
PAULA SPERB / Folhapress