SÃO VICENTE, SP (FOLHAPRESS) – O catador de lixo José Marcos Nunes da Silva, 45, foi morto a tiros por policiais militares no barraco onde morava havia cerca de dez anos na favela de Sambaiatuba, em São Vicente, no litoral paulista. Vizinhos contam que escutaram os gritos de Silva implorando pela vida momentos antes de ser alvejado.
Três filhas, o genro e a ex-mulher da Silva moram na mesma favela. Uma filha e a ex-mulher contam que ouviram disparos e foram avisados por vizinhos sobre os gritos de socorro, na madrugada de sábado (3). Quando correram por uma viela até o barraco, foram impedidas de prosseguir por um PM que montou guarda em frente ao barraco.
Silva foi morto por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), mesmo batalhão do soldado Samuel Wesley Cosmo, 35, que foi assassinado horas antes em Santos, cidade vizinha a São Vicente.
Segundo o relato da SSP (Secretaria da Segurança Pública), policiais teriam dado ordem de parada a um suspeito, que teria fugido e disparado contra os policiais. A secretaria diz que foram encontradas porções de maconha, cocaína, crack, um frasco de lança-perfume, uma pistola 9mm e um caderno de anotações.
A família e vizinhos dizem que essas provas foram forjadas e que Silva não tinha arma de fogo nem envolvimento com o crime. Dois vizinhos disseram à família o que ouviram: que Silva teria sido abordado por policiais perto de casa e levado até o barraco onde morava, onde teria gritado por misericórdia.
Ao menos três tiros foram disparados. A reportagem escutou o áudio, enviado no mesmo dia da morte à filha de Silva, que narra os gritos: “pelo amor de Deus, eu sou trabalhador” e “minhas filhas me amam”.
O barraco de Silva é feito de pedaços de madeira e tem um grande amontoado de lixo na entrada, além de uma carriola típica de pedreiro apoiada numa cerca de madeira. Seu par de botas de trabalho, do mesmo tipo usado por outros catadores de lixo da região, ainda estava em frente ao barraco na manhã de segunda-feira (5), um dia após o enterro.
Pedaços de faixa de isolamento em frente à casa e as marcas de sangue, no azulejo do chão e num cobertor, ainda eram visíveis cerca de 30 horas após a morte.
Os catadores que trabalham no lixão ao lado da comunidade de Sambaiatuba confirmaram a identidade de Silva –ou Véinho, um de seus apelidos. Eles estavam em choque com a notícia da morte, pois acreditam que qualquer um deles poderia ter sido assassinado em seu lugar.
Três trabalhadores disseram que ele saiu de lá depois das 22h na sexta-feira (2) -os turnos da noite costumam render mais material de reciclagem aos catadores, eles dizem-, e depois teria encontrado amigos na comunidade.
Antes de seguir para casa, ele teria encontrado uma de suas filhas, que trabalha em uma adega na favela, e seu genro. Isso ocorreu minutos antes de Silva ser morto, segundo a família. A viela onde está o barraco de Silva ficou bloqueada pelos policiais ao menos das 2h15 às 3h15. Segundo os moradores, não houve perícia no local da morte.
Silva trabalhava desde criança no lixão de São Vicente. Segundo a família, ele nasceu no Rio Grande do Norte e foi com os pais ainda bebê para a cidade do litoral paulista. A irmã e as três filhas contam que todas, em algum momento, também trabalharam com ele no lixão.
Os detalhes narrados pela família sobre a morte de Silva tem várias características semelhantes a denúncias que marcaram a primeira Operação Escudo na Baixada Santista, em julho, agosto e setembro do ano passado.
Vários casos tiveram mortes dentro de casas ou barracos, sem testemunhas oculares, e relatos de que PMs abordavam homens na rua e perguntavam se eles tinham ficha policial. Silva tinha uma passagem por furto de pedaços de ferro e teria ficado cerca de um mês preso em 2010, segundo a família.
Na favela do Sambaiatuba, também há relatos de que os policiais têm intimidado a comunidade onde morava o catador de lixo. Duas pessoas que conversaram com a reportagem disseram que PMs avisaram que iriam voltar nas noites seguintes. Isso ocorreu ao menos na madrugada entre sábado e domingo, quando policiais foram até a casa de uma das filhas de Silva, segundo a família.
“O caso citado pela reportagem foi registrado como resistência, drogas sem autorização ou em desacordo, posse/porte ilegal de arma de fogo e morte decorrente de intervenção policial na Delegacia de São Vicente e encaminhado à 3ª Delegacia de Homicídios da Deic de Santos, que investiga os fatos. Exames periciais foram solicitados ao IC e IML, e as apurações são acompanhadas pela Polícia Militar”, disse a SSP, em nota.
“A SSP destaca que todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP) são rigorosamente investigados, encaminhados para análise do Ministério Público e julgados pelo Poder Judiciário.”
TULIO KRUSE E ZANONE FRAISSAT / Folhapress