SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Integrantes do Teatro Oficina foram surpreendidos na manhã desta segunda-feira (5) com o fechamento dos Arcos do Beco, no fundo da arena teatral. Segundo eles, os funcionários que emparedaram o local são do Grupo Silvio Santos, que trava há anos uma disputa pelo terreno vizinho.
Eles também retiraram uma escada azul de metal, que fazia a conexão entre o teatro e a área externa ligada ao dono do SBT.
O Grupo Silvio Santos admitiu que fez a intervenção na manhã desta segunda. “Para reparar o estado original de nosso imóvel, após longa e exaustiva discussão jurídica”. O grupo afirma que obteve uma decisão judicial favorável, que entendeu que a escada não fazia parte do projeto original de tombamento do Oficina.
O Teatro Oficina, projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, é tombado em grau municipal, estadual e federal pelos três órgãos de patrimônio: Conpresp, Condephaat e Iphan, respectivamente. Por se tratar de um patrimônio histórico e cultural, alterações em sua arquitetura só podem ser feitas com autorização desses órgãos.
Segundo a coluna Mônica Bergamo, técnicos do Iphan vão fazer uma vistoria nesta terça (6) no local para verificar se há irregularidades no fechamento dos arcos. O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, afirmou que a pasta e o órgão de patrimônio foram surpreendidos com as obras.
Há mais de 40 anos, a companhia teatral e o Grupo Silvio Santos travam uma batalha pelo uso do terreno. Enquanto o empresário pretende construir torres residenciais no local, o teatro defende que o empreendimento imobiliário iria desfigurar a arena de espetáculos, que possui uma parede de janelas com vista para a cidade.
Os integrantes do teatro questionam a ação do Grupo Silvio Santos. Segundo eles, a escada faz parte do projeto original, assim como os Arcos do Beco -que foram emparedados nesta segunda.
“O prédio é tombado e deve permanecer exatamente da mesma maneira. Eles não poderiam ter feito essa alteração nos arcos sem autorização dos órgãos de preservação. Em hipótese alguma, eles poderiam ser fechados dessa maneira”, disse à reportagem a poeta e dramaturga Cafira Zoé, ligada à associação do Teatro Oficina.
O Grupo Silvio Santos não explicou por que fez o emparedamento dos arcos, sendo que diz ter conseguido decisão judicial apenas para a retirada da escada.
“Comprovado nosso direito, obtivemos decisão favorável nesse sentido, e cumprimos com a decisão judicial. O correto teria sido a outra parte ter executado o reparo, mas, pela incapacidade financeira alegada, o juízo entendeu que o GSS poderia fazê-lo. Reforçamos que temos muito respeito pelo Teatro Oficina e esperamos que compreendam”, informou.
A reportagem esteve no local no fim da manhã desta segunda e viu os funcionários finalizando o serviço de emparedamento. Também presenciou quando caminhões levavam embora a escada, que foi desmontada.
Juca Novaes, advogado do teatro, explica que a ação judicial de reintegração de posse, citada pelo Grupo Silvio Santos, corre na Justiça desde 2014. O grupo questionava a escada estar no terreno e pedia também que os arcos fossem fechados.
O grupo ganhou a ação judicial em 2019 e, desde então, está sendo discutido como será cumprida a sentença. Os integrantes do teatro alegam que a retirada da escada e o fechamento do espaço podem violar as regras de tombamento.
“Em janeiro, análise técnica do Ministério Público chegou à conclusão de que a escada poderia ser retirada, mas que o fechamento dos arcos deveria ser precedido de autorização dos órgãos responsáveis pelo tombamento do teatro. Não existe essa autorização, portanto, eles não poderiam ter feito esse emparedamento”, diz Novaes.
Novaes também questionou o fato de, apesar da decisão judicial ter sido emitida há anos, o grupo Silvio Santos só ter decidido retirar a escada e fechar os arcos nesta segunda. Na última sexta-feira (2), o grupo recebeu uma intimação para se manifestar sobre um pedido do teatro para suspensão do processo aberto em 2014.
“É curioso que essa ação tenha ocorrido no primeiro dia útil após eles terem sido intimados, após uma série de decisões favoráveis que conquistamos nos últimos meses para a construção do Parque do Rio Bixiga”, diz o advogado.
Em nota, o teatro disse que a ação do grupo “causa estranheza e surpreende pela precipitação”.
“Existe a possibilidade de que tal fechamento viole as regras do referido tombamento. Por essa razão, o Teatro Oficina pleiteará hoje ao juiz que sejam apuradas as responsabilidades do grupo Silvio Santos pela possível violação às referidas regras”, diz a nota.
A disputa pelo terreno se arrasta há anos, tendo sido encabeçada por um dos maiores nomes do teatro brasileiro, Zé Celso, que morreu em julho do ano passado. Por décadas, o dramaturgo tentou transformar o terreno no Parque do Rio Bixiga, um espaço público com árvores e um córrego a céu aberto em plena região central de São Paulo.
Em dezembro do ano passado, um acordo do Ministério Público e a Prefeitura de São Paulo tornou a criação do parque mais próxima de virar realidade.
O acordo definiu a destinação de 51 milhões para a implantação do Parque do Rio Bexiga. A verba é proveniente de um acordo judicial com a Uninove e deve ser usada de forma prioritária para a aquisição ou desapropriação do terreno de Silvio Santos, de 11 mil metros quadrados situado entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro, no bairro do Bexiga.
ISABELA PALHARES / Folhapress