Fazenda suspeita de lavagem de dinheiro em programa para setor de eventos, e líderes cobram explicações

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)- O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alertou lideranças do Congresso Nacional que o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) teria aberto margem para operações de lavagem de dinheiro de atividades ilícitas no país.

Os indícios estão sendo investigados pelos fiscais da Receita Federal, após o custo do programa explodir no ano passado. O valor declarado pelas empresas chegou a R$ 17 bilhões, enquanto a estimativa era de um gasto anual de R$ 4,4 bilhões.

Números preliminares repassados pela área técnica ao Palácio do Planalto apontam que o custo do programa pode ter chegado até R$ 30 bilhões com as possíveis fraudes que vêm sendo detectadas pelo Fisco.

A interlocutores do Congresso e do empresariado Haddad vem afirmando em conversas reservadas que o programa precisa acabar, sob o risco de a política pública estar servindo de estímulo a irregularidades.

A Folha de S.Paulo apurou que foram mapeados casos de empresas utilizadas para lavagem de dinheiro se valendo do Perse para não pagar imposto. Assim, o benefício teria se tornado um atrativo para que empresas do setor de eventos, ou registradas como se fossem atuantes na área, sejam utilizadas para ilegalidades.

Além disso, outros tipos de irregularidades também teriam sido encontrados até o momento pelos técnicos da Receita.

A revogação do Perse foi incluída pelo governo na MP (medida provisória) de reoneração gradual da folha de pagamentos para 17 setores e prefeituras, que enfrenta resistências na Câmara e no Senado.

Nos bastidores, líderes da Câmara dos Deputados ouvidos pela reportagem afirmam que, diante desses alertas de irregularidades, é preciso que a Fazenda apresente informações que comprovem que houve operações ilícitas. Eles dizem que, se há indícios de ilegalidades, é preciso apurar os fatos.

Parlamentares também cobraram da Fazenda maior esclarecimento sobre a renúncia efetiva de receita tributária decorrente do benefício fiscal. O valor da renúncia já gerou atrito público entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Haddad.

Autor do projeto de lei que deu origem ao Perse, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) apresentou três pedidos de requerimentos de informações à Fazenda nesse sentido, solicitando, entre outras coisas, um maior detalhamento da efetiva renúncia tributária por códigos da chamada CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas).

Nesta segunda-feira (5), em seu discurso na cerimônia que marcou a abertura do ano legislativo no Congresso, Lira citou nominalmente o Perse como uma “conquista”, criticando a decisão do governo de acabar com o programa.

“Conquistas como a desoneração e o Perse, essencial para que milhões de empregos de um setor devastado pela pandemia se sustentem, não podem retroceder sem ampla discussão com este Parlamento”, afirmou Lira.

O presidente da Câmara fez uma fala dura, com recados ao governo, afirmando que é preciso que o Palácio do Planalto cumpra com acordos firmados com o Legislativo.

“Seguiremos firmes na prática da boa política, pressuposto mais do que necessário para o exercício da própria democracia. E a boa política, como sabemos, apoia-se num pilar essencial: o respeito aos acordos firmados e o cumprimento à palavra empenhada”, disse Lira, sob aplausos de congressistas presentes no plenário.

As declarações ocorrem em um momento em que o presidente da Câmara elevou as críticas contra o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela articulação política do Executivo no Legislativo.

O deputado avisou a interlocutores de Lula que, sem a troca de Padilha, a pauta do governo na Casa não avançará. Apesar da pressão, o petista afirmou a pessoas próximas que não pretende tirar Padilha do cargo.

Carreras deve se reunir com Haddad, parlamentares e representantes do setor nesta quarta-feira (7) para tratar do Perse. No mesmo dia, à tarde, ele organiza um ato em defesa do programa na Câmara, onde a resistência é maior contra o fim do regime.

“Tenho a expectativa de que o governo tenha a sensibilidade de não acabar com um programa tão exitoso, que cumpre com o seu papel”, diz o deputado.

Em encontro na semana passada com o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci, Haddad falou das possíveis fraudes e dos indícios de lavagem. O ministro projetou uma perda de R$ 100 bilhões de arrecadação em cinco anos, caso o Perse seja mantido.

O benefício do programa zera todos os tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) em um setor que o Ministério da Fazenda considera que já se reergueu da pandemia e está em “franca recuperação”.

É com base nesse argumento que a equipe econômica também tenta convencer senadores e deputados a extinguir o programa. A própria zeragem dos tributos federais do Perse é que estimula a lavagem, de acordo com o diagnóstico da Fazenda.

Pela MP do Haddad, o fim do programa só estará completamente concluído em 2025, quando a cobrança do IR volta a vigorar.

A redução do benefício às empresas ainda em 2024 tira R$ 6 bilhões das receitas do governo, valor que pode subir a R$ 12 bilhões no caso de manutenção integral do incentivo, como querem os congressistas.

Por outro lado, o Ministério da Fazenda conta com uma economia de ao menos R$ 16 bilhões com a revogação do Perse.

Uma das organizadoras do ato em defesa da manutenção do Perse, a Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) alerta que a revogação pode gerar judicialização.

A FecomercioSP integra uma coalizão com várias entidades do setor produtivo, como a CNC (Confederação Nacional do Comércio) e a FBHA (Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação), que fazem parte da mobilização no Congresso.

“É muito ruim essa medida do governo porque ela muda a regra no meio do jogo”, afirma o coordenador do Conselho de Turismo da FecomercioSP, Guilherme Dietze.

Ele contesta a avaliação do governo de que o setor já se recuperou da pandemia e não precisa mais do programa emergencial. De acordo com Dietze, os dados de turismo nacional mostram que o setor ainda está quase 10% abaixo do nível pré-pandemia.

Dietze ressalta que o programa estava previsto para acabar em 2026 e que o seu fim antecipado causaria insegurança jurídica.

ADRIANA FERNANDES, FABIO SERAPIÃO E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress

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