RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – União de adversários políticos em camarote de evento. Prefeitos em testes de popularidade no Recife. Governador descoberto por repórter de televisão entre os foliões do Galo da Madrugada. Esses foram alguns dos episódios recentes que conectaram a política e o Carnaval em Pernambuco.
A principal festa do calendário do estado também é usada como plataforma política na busca por votos em anos eleitorais e como testes de popularidade de quem está no poder, como prefeitos e governadores.
Um dos episódios que chamaram a atenção do meio político aconteceu em 2007 no Galo da Madrugada, que desfila aos sábados no Carnaval do Recife.
O camarote do Governo de Pernambuco, atualmente extinto, reuniu vários governadores da época, como o anfitrião Eduardo Campos (PSB), Jaques Wagner (PT), da Bahia, e Sérgio Cabral (MDB), do Rio de Janeiro –trio aliado de Lula (PT)–, além de opositores do então presidente, como Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, e Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba.
Pessoas próximas a Campos no período relataram à reportagem que o convite para os outros governadores foi feito diretamente pelo próprio pernambucano, que morreu em 2014 em acidente aéreo em Santos, no litoral paulista.
Eduardo tinha boa relação com todos os presentes, apesar das divergências políticas com Aécio e Cássio. Mesmo assim, a convivência foi festiva no camarote onde os cinco chefes de Executivo estaduais estavam.
A tradição em Pernambuco é que o governador ou governadora, como a atual Raquel Lyra (PSDB), compareça ao Galo, que reúne milhares de pessoas nas ruas da capital.
Um dos governadores que caiu na folia foi Gustavo Krause, que era chefe do Executivo estadual no Carnaval de 1987. Antes disso, participou da folia como vice-governador, deputado, vereador e prefeito, entre 1979 e 1982, nomeado pelo então governador Marco Maciel, durante o período da ditadura militar, ou mesmo quando era um cidadão comum.
Gustavo Krause começou a ir ao Galo da Madrugada em 1979, quando o bloco saía às ruas ainda de madrugada, literalmente, e não tinha a mesma proporção de hoje. Depois, viu a explosão do cortejo em número de foliões de dentro, como um dos seus participantes.
Ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, Gustavo é pai da atual vice-governadora de Pernambuco, Priscila Krause, que o acompanhava com as irmãs no bloco.
Em uma das ocasiões, quando era prefeito, estava no meio do público fantasiado e com máscara, ao lado da então primeira-dama Cléa Borges.
O repórter Francisco José, que atuava na TV Globo Pernambuco, percebeu, na ocasião, que a então esposa do prefeito estava na rua e suspeitou que, ao lado dela, era o prefeito.
“Ele, muito esperto, viu a minha esposa levantar a máscara para tomar uma bebida. Quando percebeu um cara fantasiado do lado dela, percebeu que era eu. Ele chegou junto [gravando e com a câmera ligada] e disse: ‘o Galo da Madrugada é um bloco democrático, brinca todo mundo, inclusive o prefeito. Estou ao lado dele. Prefeito, tire a máscara'”, conta Gustavo Krause, descrevendo a fala do jornalista.
Aliados da época de Gustavo Krause dizem que o fato de ele ir para o meio do público gerava preocupação na segurança da prefeitura e do governo.
Ele relata que ia às ruas sem segurança e diz nunca ter sofrido hostilidade enquanto ocupava cargos públicos. “Também não entrava nos focos e em alguns lugares. Ia acompanhando os trios elétricos por causa das músicas”, diz o ex-governador, que é coautor da letra da música “Fogo do Galo”, música cantada por Bubuska Valença, primo de Alceu.
No campo da esquerda, João Paulo (PT), que foi chefe do Executivo do Recife entre 2001 e 2008, criou o polo de Carnaval do Marco Zero, atualmente o principal polo da festa na cidade.
O petista era tido como um prefeito folião e já viralizou, antes mesmo dos tempos das redes sociais, com um vídeo em que aparece na televisão dançando frevo durante divulgação do evento do Recife em São Paulo.
João Paulo afirma que, para a consolidação do Carnaval do Recife, foi determinante a união a adversários, como o então governador Jarbas Vasconcelos (MDB), que foi gestor concomitantemente ao petista por seis anos.
“Faz falta [essa convivência com adversários nesses eventos]. Temos divergências políticas e ideológicas no meio político, mas em questões em função da sociedade, é preciso ter uma unidade. Tive grandes disputas com Jarbas, mas as parcerias foram cruciais no Carnaval”, diz João Paulo, atualmente deputado estadual.
Os dois, inclusive, foram vistos juntos aos risos em festas de Carnaval, o que gerava irritação em uma ala do PT, já que Jarbas era um dos mais críticos a Lula.
Atualmente, o prefeito do Recife, João Campos (PSB), também surfa no Carnaval na tentativa de ampliar a popularidade. Visto como favorito à reeleição nas eleições de outubro, ele tenta cativar o público com danças e atendendo a pedidos do público nas redes sociais.
Um dos pedidos foi para que o prefeito deixasse o cabelo platinado, o que gerou diversas perguntas se ele iria ‘nevar’. João Campos deixou o cabelo loiro, temporariamente, na quinta-feira (8), abertura do Carnaval, atendendo a apelos de cantores do brega. A coloração é usada costumeiramente por cantores do ritmo que tem ganhado mais espaço na festa pernambucana nos últimos anos.
Para marcar posição, Raquel Lyra também decidiu fazer inovações no Carnaval. Pela primeira vez oficialmente, o Governo de Pernambuco faz homenagens na data festiva.
Em 2024, os cantores Alceu Valença, Claudionor Germano e Lia de Itamaracá foram os escolhidos e tiveram encontros com a chefe do Executivo visando comemorar as reverências.
Devido ao Carnaval, Raquel e João Campos tiveram uma reunião duas semanas antes da folia, a convite da governadora, no Palácio do Campo das Princesas. O encontro repercutiu no meio político porque se deu em meio a um contexto de disputas entre os dois grupos políticos. Nesta quinta, a governadora escolheu ir à abertura do Carnaval de Olinda, ao invés do Recife.
JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress