SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Candidata a acordar neste domingo (11) como finalista de um Campeonato Mundial de natação, Maria Fernanda Costa era atleta de segundo escalão no Brasil até 13 meses atrás. A virada de chave só aconteceu pelo estímulo de treinar lado a lado com as melhores do país. Em semanas, se tornou uma delas.
“Quando eu fui trocar ideia com o Fernando (Possenti) para treinar com ele, ele foi supersincero comigo, porque eu não estava nem perto do nível da equipe dele. Ele disse que eu teria que ralar muito para chegar no mesmo nível, mas que se eu quisesse eu ia conseguir. Elas [as meninas da equipe] me ajudam muito, me motivam muito, me falaram muitas coisas para eu colocar nos treinos”, conta.
Os resultados escancaram essa mudança de nível. Em 2022, aos 20 anos, ainda que tenha ganhado uma medalha nos 200m borboleta, Mafê teve o 68º melhor desempenho feminino do Troféu Brasil de natação, que serviu de seletiva para o Mundial daquele ano. No ano passado, aos 21, teve o segundo e o terceiro. Só nos 200m livre a melhora foi de impressionantes quatro segundos e meio.
Nos 400m livre, baixou mais de 10 segundos, o que torna ela candidata a se classificar à final do Mundial. As eliminatórias acontecem no domingo pela manhã em Doha (Qatar), e a brasileira está balizada com o 11º tempo. “As três primeiras do mundo não vão estar, e eu acho que isso abre uma possibilidade para eu estar numa final. O objetivo é muito claro: dá para fazer algo muito bom e muito forte no Mundial. Uma coisa que o Fê (Fernando Possenti) fala muito: pensar numa final de Mundial era uma coisa muito grande, agora não é.”
Quando os dois conversaram, para que Mafê pedisse para ser treinada por ele, Fernando comentou: “Sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho”. Se é assim, ela preferiu sonhar grande, sem medo de ser feliz.
DE FÃ A RIVAL
Diferente da enorme maioria dos nadadores de ponta, Maria Fernanda, que é carioca, começou na natação muito tarde, aos 14 anos, em 2016. Ainda estava na escolinha quando foi assistir, no Parque Olímpico da Barra, à seletiva olímpica brasileira. Viu a chateação de Cesar Cielo por não conseguir a vaga, e a felicidade de Bruno Fratus por alcançá-la. “Esse esporte vai de 0 a 100 muito rápido, mas eu quero viver isso”, pensou.
Pelo celular, começou a seguir os atletas de ponta da natação brasileira, entre eles Gabrielle Roncatto, então com 18 anos, uma das caçulas da equipe. Nunca poderia imaginar que oito anos depois, teria em Gabi uma inspiração, amiga, e provável futura colega de equipe olímpica.
As duas se conheceram no Maria Lenk, centro de treinamento do COB e “casa” de alguns treinadores, entre eles Possenti, que chegou lá com Ana Marcela e Allan do Carmo, e Luís Flávio Provençano, que formou Mafê no seu time, primeiro como federada pelo Fluminense, depois pelo Flamengo. Com a criação do ‘Núcleo Fla Barra’, esse grupo passou a treinar no Maria Lenk.
Os níveis dos dois grupos eram muito diferentes, mas já havia um olhar diferente para Mafê. “Quando o Fernando abriu a equipe dele para o pessoal da piscina, eu via a Gabi treinando, e ela é incrível, treina sempre muito bem. Eu via os treinos delas, mas era um nível consideravelmente distante para mim. Só que eu e a Gabi, a gente mora perto, eu pegava algumas caronas, e me incentivava. Falava para eu trocar uma ideia com o Fê, que todo mundo via potencial em mim. Às vezes o horário do treino não batia, eu estava terminando uma série forte, elas chegando, e elas vinham me incentivar. Eu pensava: ‘Se eu que não sou da equipe delas recebo esse incentivo, imagina dentro’.”
O estímulo também fazia o caminho contrário, com Possenti sendo provocado pela própria equipe a convidar Maria Fernanda, o que ele recusava por respeito a Luis Flávio, a quem ela diz ser eternamente grata. Só no fim de 2022 é que Mafê o procurou. Ela, disposta a realizar o sonho da vida: chegar a uma Olimpíada. Ele, de olho em um diamante ainda por lapidar. Deu match.
COLEÇÃO DE MEDALHAS
Os resultados não demoraram nada para aparecerem. Na primeira tomada de tempo, já baixou um segundo a melhor marca da carreira nos 200m, sem polir. Na abertura do Troféu Brasil 2023, a meta, ousada, era nadar os 400m livre em 4min10s. Fez 4min06s85. Índice para o Mundial 2023 e índice olímpico. Nos 200m, se tornou a quarta melhor da história do país.
Em ambas as provas, puxa e é puxada por colegas de treino. Gabi venceu os 400m, e, nos 200m, o top 4 ainda teve a própria Gabi e Nathalia Almeida. “No treino cada uma puxa a outra, é muito difícil a gente treinar mal, porque ninguém quer perder, óbvio, fica bem competitivo. Isso é muito bom para a evolução de todo mundo. Eu e a Gabi, a gente disputa sempre o 400m, é sempre uma diferença muito pequena. A gente se dá muito bem, tem uma troca muito boa, eu fico feliz por ela, quero estar no topo, mas estar com ela torna tudo especial, sei o quanto ela treina, é disciplinada, e merece tudo que está conquistando.”
O grupo de treinos, que perdeu Ana Marcela Cunha no ano passado, ainda tem Brandonn Pierry e Beatriz Dizotti, e foi reforçado, este ano, por Giovanna Diamante e o medalhista olímpico Fernando Scheffer, especialista nas mesmas provas que Mafê.
“Eu tenho até medo de falar muita coisa boa, o quanto eu estou feliz, e todo mundo achar que o processo é lindo, maravilhoso, cheio de flores. O processo é doloroso, é muito cansativo, mas eu acho que estar na minha equipe, ver todo mundo passando mal junto comigo, no mesmo barco, todo mundo fazendo o que gosta, o que ama, tentando estar numa Olimpíada, isso nos inspira muito. Quero evoluir junto com elas sempre.”
No Mundial, o foco de Mafê estará nas provas individuais, 200m e 400m livre, e por consequência o 4x200m livre, que já está muito perto da vaga olímpica. Na seletiva olímpica, ela também buscará um lugar nos 4x100m livre. Ainda que faça treinos com Beatriz Dizotti (especialista em 800m e 1.500m) durante parte do ano, Mafê ainda não pretende voltar a se arriscar nas provas mais longas.
DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress