BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após o custo quase dobrar em um único ano e chegar a R$ 9,4 bilhões em 2023, o Proagro programa de seguro rural bancado com subsídio do governo federal deve passar por uma reformulação.
O objetivo é enfrentar o aumento dos sinistros provocados pelos efeitos das mudanças climáticas nas lavouras e corrigir erros que podem estar levando a irregularidades e até mesmo fraudes.
Uma força-tarefa criada pela área econômica do governo está em campo para fazer um diagnóstico detalhado das razões por trás da trajetória explosiva dos custos com o Proagro, principalmente nos últimos dois anos.
A avaliação dos técnicos é a de um cenário de tempestade perfeita, por causa de uma combinação entre um desenho ultrapassado (o programa foi criado há 50 anos), conflitos de interesse e o impacto negativo das mudanças climáticas.
Uma das falhas do programa é que os bancos que concedem o financiamento são os mesmos agentes que julgam se o seguro deve ou não ser pago.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse à reportagem que o crescimento dessas despesas preocupa, pois é uma fatura que chega praticamente em tempo real para o governo pagar.
Em dezembro passado, na reta final de 2023, uma conta imprevista de R$ 1 bilhão chegou em cima da hora e exigiu alterações na execução do Orçamento.
Segundo ele, o novo ciclo climático com chuvas mais intensas, enchentes, tornados, ondas de calor e secas prolongadas pode exigir o abandono de certas culturas nos locais mais afetados pelas mudanças relacionadas ao aquecimento global.
“Estamos querendo entender o detalhe. Tem algumas questões nesse programa que precisam ser olhadas com cuidado, se não tem abuso, fraude. Há uma força-tarefa tentando entender os dados”, afirmou Ceron.
Segundo o secretário, há concentrações de sinistros que chamam a atenção e “precisam ser olhadas com cuidado”. A força-tarefa está sendo feita com o Banco Central, que é o órgão gestor do programa.
“Vamos fazer um diagnóstico claro para subsidiar o ministro [Fernando Haddad] e levar ao presidente [Luiz Inácio Lula da Silva (PT)] a situação”, disse.
No ano passado, das 330 mil operações de empréstimos que fizeram o seguro do Proagro, 75 mil tiveram perdas com sinistro, de acordo com dados do BC.
De 2020 a 2022, o custo para os cofres do governo subiu de R$ 1,9 bilhão para R$ 5 bilhões. No ano passado, saltou para o patamar próximo de R$ 10 bilhões valor muito acima dos cerca de R$ 3 bilhões previstos originalmente no Orçamento. Em 2008, o valor era de apenas R$ 58 milhões.
O aumento nas despesas com o Proagro, por causa das maiores perdas agrícolas geradas por eventos climáticos, explica a alta nos gastos com subsídios e subvenções. De acordo com dados do Tesouro, houve um avanço real de 34,4% em relação a 2022, de R$ 16,4 bilhões para R$ 22 bilhões.
O BC transferiu no ano passado R$ 10,4 bilhões para bancar o seguro R$ 9,4 bilhões pagos com o dinheiro do Tesouro e o restante cobertos pelos valores arrecadados dos produtores. Os pagamentos têm sido feitos pelo BC, em média, 11 dias após os bancos comunicarem o sinistro.
Ceron ponderou, no entanto, que o impacto mais relevante e de difícil mensuração vem das mudanças climáticas.
O secretário defende discutir mudanças estruturais envolvendo os locais de produção agrícola com incidências recorrentes de sinistros. “O ciclo climático vai exigir de algumas regiões mudanças no tipo de cultura. Não tem jeito, é uma realidade.”
O tema do seguro rural é sensível não só pela importância da agricultura para o PIB (Produto Interno Bruto), mas também pelo peso da bancada do agronegócio no Congresso Nacional.
Outro aspecto relevante é o fato de o Proagro atender a agricultura familiar, pequenos e médios agricultores, com operações de crédito de até R$ 335 mil. Para quem se enquadra nas regras, o governo é obrigado a garantir o seguro.
No ano passado, quando o CMN (Conselho Monetário Nacional) aprovou uma restrição nas regras do programa, mais de 40 deputados bateram à porta do BC para reclamar.
A regra não foi revertida, mas mostrou o tamanho da resistência para uma mudança mais ampla na modalidade, como defendem a Fazenda e o BC.
Uma das dificuldades é que, quanto mais se usa o seguro, mais caro o seu prêmio fica. O programa também não tem nenhum colchão de reserva para enfrentar momentos de maiores perdas das safras.
O diagnóstico dos técnicos que trabalham com a gestão do Proagro é a necessidade de corrigir a falha operacional do programa, que faz com que as instituições financeiras que concedem o crédito sejam as mesmas que apresentam os valores das perdas. Isso significa que quem faz a perícia do local para identificar as perdas para cobertura do seguro é parte interessada em receber o reembolso pelo sinistro.
Ao identificar problemas, o BC comunica o Ministério Público e a Polícia Federal para investigação. O BC não pode interferir na atuação do perito porque não tem autonomia legal para isso.
Uma das propostas em estudo é criar um fundo e estabelecer uma participação extra para todos os segurados do Proagro, no modelo que é chamado pelos técnicos de “mutualismo”. Por exemplo, todos contribuem com valor adicional se a perda superar a média histórica.
Aumentar as restrições de acesso ao programa, inclusive para quem perde muito pelo mau uso da lavoura, também está em estudo, mas a medida enfrenta resistência.
O presidente da CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras), Dyogo Oliveira, disse que há interesse das seguradoras em participar do Proagro no trabalho de validação das perdas.
“Hoje, é o próprio banco que empresta o dinheiro que faz a avaliação. Isso é um problema”, afirmou.
Ele ponderou ainda que o governo precisa melhorar o PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural), cujo percentual de subsídio pago pelo Executivo federal varia de acordo com as prioridades da política agrícola formulada pelo Ministério da Agricultura.
“Mais de 90% da subvenção do PSR é para pequenos e médios produtores”, ressaltou Oliveira.
O gasto líquido do Tesouro com o Proagro foi de 9,2 vezes o orçamento final do PSR em 2023, motivo de críticas entre representantes do setor. Enquanto o custo do Proagro foi de R$ 9,4 bilhões (R$ 1.960 por hectare), o do PSR foi de R$ 933 milhões (R$ 150 por hectare).
Oliveira, que já foi ministro do Planejamento, alerta que a área atendida pelo seguro rural no Brasil vem diminuindo segundo ele, hoje menos da metade do que foi no passado. “De 14 milhões de hectares atendidos, está hoje em 6 milhões”, afirmou.
Esse cenário tem levado a uma situação em que o seguro fica concentrado apenas nas regiões de maior risco de perdas, como no Sul do Brasil.
O presidente da CNSeg propõe a criação de um fundo privado de estabilização para o seguro rural de forma geral, para funcionar como um colchão amortecedor para períodos com maiores perdas.
O fundo seria formado com a participação das seguradoras privadas e do Tesouro. A sugestão é de R$ 2 bilhões para cada uma das partes.
O SEGURO
O que é? O Proagro é uma política do governo federal que funciona como seguro rural, pois garante o pagamento de financiamentos rurais de custeio agrícola quando a lavoura amparada tiver sua receita reduzida por causa de eventos climáticos, além de pragas e doenças sem controle.
Proagro em números, em 2023, segundo o Banco Central
– Operações seguradas: 330 mil
– Sinistros comunicados: 75 mil
– Arrecadado juntos aos agricultores: R$ 1,96 bi
– Total pago pelo BC para cobrir sinistros: R$ 10,4 bi, incluindo R$ 9,4 bi repassados pelo Tesouro
ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress