NUEVO CUSCATLÁN (EL SALVADOR (FOLHAPRESS) – “O dinheiro é suficiente quando ninguém rouba.” A frase de efeito é do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, reeleito no domingo passado (4). O popular líder centro-americano costuma usar o mantra, que estampava camisetas e bonés de apoiadores no dia da votação que o reconduziu ao cargo, sempre que confrontado com questionamentos sobre as obras e eventos superlativos que promove no país.
A fórmula, porém, não foi tão bem-sucedida em Nuevo Cuscatlán, município de 6.000 habitantes a meia hora de carro da capital, San Salvador. Bukele governou a cidade de 2012 a 2016, em sua estreia na política. Na época, ele ainda integrava a FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), partido de esquerda que o lançou antes de ser engolido pelo bukelismo na esteira de outras tradicionais legendas salvadorenhas.
Apesar da filiação, Bukele pouco incorporou a identidade visual da FMLN, um logo vermelho com a sigla do partido em branco ao lado de uma estrela. Caminhando nas ruas de Nuevo Cuscatlán, é mais fácil imaginar que o município foi administrado por um prefeito do Novas Ideias.
Isso porque a cidade é tomada de ornamentos que exibem uma letra N sobre um fundo azul celeste em construções e órgãos públicos, como a Prefeitura -uma clara referência à letra inicial do prenome de Bukele, símbolo de sua atual legenda e agora escudo do município.
O partido, porém, seria oficializado somente em 2018, um ano antes de o atual líder chegar à Presidência. Uma vez no cargo, ele adotou, em maior escala, o mesmo modelo de obras vultosas que lhe rendeu publicidade em Nuevo Cuscatlán.
Ao assumir a Prefeitura, Bukele tinha experiência apenas na administração de uma discoteca, a Code, e de uma concessionária da Yamaha. Havia outra passagem do seu currículo, porém, que seria bem mais útil –a direção da empresa de publicidade Obermet, que àquela altura havia feito a campanha de diversos políticos da FMLN.
Uma das vitrines de sua administração no município é a praça central, transformada em uma espécie de largo com parque para crianças e palco. Uma enorme letra azul enfeita a esquina, e outra ornamenta uma espécie de cascata artificial em frente a pedras.
Seu plano era levar cerca de US$ 1 bilhão em investimentos à cidade em até 10 anos, mas naquela época Nuevo Cuscatlán já enfrentava dificuldades financeiras que estourariam na mão de seus sucessores.
No fim de 2014, o município foi classificado com a pior categoria em saúde financeira pelo Ministério da Fazenda, segundo o jornal El Faro –naquele ano, a dívida aumentara 320% em relação a 2011. Em 2016, sob a gestão da prefeita Michelle Sol, o déficit já era de US$ 5 milhões (R$ 24,7 milhões).
Em San Salvador, administrada por Bukele de 2015 a 2019, a receita de reforma e embelezamento do centro se repetiu, assim como os problemas financeiros, segundo a imprensa local.
Em abril de 2023, a Prefeitura da capital ainda renegociava a dívida do Mercado Cuscatlán, obra que deveria abrigar os vendedores ambulantes retirados do centro histórico e ser o local de compras “mais moderno da América Central”. Em janeiro de 2023, a administração municipal recebeu uma notificação da empresa Desarrollo Universal, proprietária do imóvel onde está o empreendimento, sobre uma dívida de US$ 4,9 milhões (R$ 24,2 milhões).
Entre outras iniciativas midiáticas, Bukele inaugurou um centro penal para prender membros de gangues que intitulou desde o primeiro momento de “a maior prisão das Américas”. Também passou a hospedar grandes eventos, como o Miss Universo.
“Obrigada por escolherem participar do renascimento de El Salvador. Mas isso é só o começo”, afirmou o presidente após ser ovacionado ao entrar no palco do concurso de beleza.
“A limitação da administração de Bukele é justamente a economia e, particularmente, as finanças públicas”, afirma Lourdes Molina, economista do Icefi (Instituto Centro-americano de Estudos Fiscais).
Em 2022, para cada US$ 100 que El Salvador produzia, devia US$ 75, segundo dados da UCA (Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas). Para 2023, estima-se que a porcentagem da dívida pública em relação ao PIB aumente para 80%, segundo Molina.
“Isso se traduz em um elevado custo de recursos, porque, à medida que mais verba é alocada para o pagamento da dívida, menos há para saúde, educação, segurança ou para qualquer outro objetivo de política pública que você puder pensar”, diz a economista.
Molina faz a ressalva de que problemas fiscais não começaram no governo de Bukele, mas a atual gestão dá pouca prioridade ao tema. “Até o momento não há clareza sobre qual é o plano do governo para essa área”, afirma.
DANIELA ARCANJO / Folhapress