A morte de Alexei Nalvany, o mais conhecido crítico do governo de Vladimir Putin, chacoalhou a população da Rússia, mas não terá qualquer impacto sobre a eleição presidencial do país prevista para o mês que vem. A avaliação é do cientista político russo Alexandr Cherstobitov, que descreve o sistema político local como um “autoritarismo eleitoral”, cujo espaço para dissidências é praticamente nulo.
Navalny, 47, foi declarado morto na última sexta-feira (16) em uma prisão na remota região de Iamalo-Nenets, no Ártico. Segundo o Serviço Federal Prisional da Rússia, que não divulgou as causas da morte, o ativista se sentiu mal após uma caminhada, “perdendo quase imediatamente a consciência”.
A notícia reverberou em todo o mundo, e críticos do Kremlin afirmam que o opositor foi assassinado na cadeia. Na Rússia, onde Putin tem índices altos de aprovação, a morte foi recebida com luto, mas também com comemoração de apoiadores do presidente, segundo Cherstobitov. “Não há quase ninguém indiferente à notícia.”
Mas a polarização da sociedade não terá reflexo nas urnas, afirma o cientista político. Ele se refere ao pleito do mês que vem, com algum nível de sarcasmo, como um “evento do tipo eleitoral” controlado pelo que chama de elites políticas e cujo resultado –a reeleição de Putin– já é sabido de antemão.
“No entanto, as ‘eleições’ ainda são importantes por vários motivos: legitimação do regime e dos autocratas, mobilização daqueles que estão envolvidos no funcionamento do regime, competição entre as elites internas etc.”, diz Cherstobitov. “Ao mesmo tempo, a administração de todos os procedimentos eleitorais está sob rígido controle e, portanto, o assassinato de Navalny não terá impacto sobre eles.”
Desde o início da Guerra da Ucrânia, há quase dois anos, o governo russo ficou ainda mais autoritário, segundo o especialista. Ex-professor universitário de ciência política em São Petersburgo e pesquisador independente, ele atualmente mora em São Paulo e dá aula como professor convidado pelo programa Pesquisadores em Risco, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
O pesquisador descarta a possibilidade de haver grandes protestos na Rússia devido aos riscos de punição e de penas duras. Afirma, no entanto, que manifestações mais sutis devem ocorrer, como a organização de funerais simbólicos –nada, de novo, capaz de alterar o curso do pleito. Nesses casos, processos após eventuais detenções tramitariam na esfera administrativa, não criminal, em que a pena máxima prevista é bem menor.
Bastaram poucas horas após o anúncio da morte de Navalny para a Procuradoria de Moscou emitir um alerta contra protestos na capital russa. A legislação do país não permite que mais de uma pessoa se reúna em manifestações sem autorização do município. Atos maciços contra o governo mobilizados em 2017 por Navalny tentavam driblar a regra com convocações online e rápida dispersão.
Se as manifestações nas ruas devem ser tímidas, o governo Putin, por outro lado, deve explorar a morte de forma política, diz Cherstobitov. “Eles [autoridades] já começaram a falar. Dizem que sua morte é algo favorável ao Ocidente porque as elites ocidentais tentarão usá-la para culpar as elites russas e a Rússia. Ao mesmo tempo, Putin se manterá em silêncio. Para ele, mencionar Navalny significa que ele o reconhece como um oponente político.”
A Comissão Eleitoral Central da Rússia barrou na semana passada o único postulante a presidente abertamente crítico de Putin de disputar o pleito de março, o ex-deputado liberal Boris Nadejdin. Segundo autoridades, a postulação foi indeferida porque ele não conseguiu reunir as 100 mil assinaturas necessárias, o que ele nega.
Para Cherstibitov, a morte de Navalny também não vai influenciar os rumos da Guerra da Ucrânia, que completará dois anos no próximo dia 24. O ativista era crítico da invasão do país de Volodimir Zelenski. “A propaganda persuade as pessoas de que a única maneira de acabar com a guerra é vencendo.”
RENAN MARRA / Folhapress