BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai lançar, na segunda-feira (26), um programa para remover uma das principais barreiras apontadas pelos investidores para atrair capital estrangeiro e financiar projetos ligados à transição energética: o risco da variação da taxa de câmbio dos financiamentos.
Uma MP (medida provisória) será editada para criar o Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial, que prevê parceria com organismos multilaterais para viabilizar linhas de crédito para os projetos por meio da oferta de hedge (proteção) contra a variação cambial.
Um fundo será previsto para garantir as operações de hedge e diminuir o impacto da volatilidade do câmbio nos financiamentos, sobretudo os de longo prazo.
A MP não deverá trazer um valor definido para o fundo. Mas integrantes do governo ouvidos pela Folha garantem que o programa não demandará despesa primária do Orçamento. Ou seja, não terá impacto na meta fiscal.
As áreas mais promissoras identificadas pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são energia renovável (solar e eólica), hidrogênio de baixa emissão, SAF (combustível sustentável de aviação) e mobilidade elétrica (veículos que utilizam eletricidade para alimentar o motor como alternativa aos combustíveis fósseis).
O fundo poderá receber recursos financeiros da parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), da conta única do Tesouro Nacional ou mesmo de captação de recursos.
Em qualquer hipótese, não terá impacto primário (no Orçamento), porque o risco das operações será das instituições financeiras. Também não haverá equalização das taxas do financiamento pelo Tesouro, segundo pessoas com acesso ao texto da MP.
Será uma despesa financeira (aquelas resultantes do pagamento de uma dívida do governo ou da concessão de um empréstimo tomado pelo governo).
Pesquisa do governo com investidores sobre recomendações para aumentar o ingresso de recursos externos para os projetos colocou no topo dos problemas o impacto da variação de câmbio.
Outra barreira para atrair a poupança externa -a desoneração completa de exportações e de investimentos- foi encaminhada com o avanço da reforma tributária, aprovada pelo Congresso no fim do ano passado e agora em fase de regulamentação.
Com a retirada desses dois gargalos, a equipe econômica considera que o Brasil pavimenta um caminho para aproveitar as oportunidades de investimentos para atrair os investimentos necessários ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e aumento da produtividade.
Especialistas apontam também a necessidade de mais estabilidade dos marcos regulatórios para o Brasil não correr o risco de perder essa nova onda de investimentos no mundo para projetos verdes (sustentáveis ambientalmente), como mostrou o seminário sobre transição energética, organizado pela Folha, na semana passada em comemoração dos seus 103 anos.
O novo programa faz parte do Plano de Transformação Ecológica Brasileira, que vem sendo coordenado pela equipe do ministro da Fazenda.
Além da parceria firmada com o BID, o programa terá apoio do Banco Mundial e do Reino Unido.
O anúncio oficial será feito em São Paulo pelos ministros Fernando Haddad, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Pelo lado internacional, estarão presentes o presidente do BID, o brasileiro Ilan Goldfajn, a embaixadora do Reino Unido no Brasil, Stephanie Al-Qaq, e o vice-presidente do Banco Mundial para a região da América Latina e Caribe, Carlos Felipe Jaramillo.
Para o desenvolvimento e implementação do Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial, o governo brasileiro conta com aporte inicial no valor de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5 milhões), a partir de recursos do Programa de Infraestrutura Sustentável do Reino Unido (UK SIP) a serem acessados pelo BID.
O acordo de cooperação técnica não reembolsável terá duração aproximada de três anos. Em um documento a que a Folha teve acesso, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, diz esperar apoio técnico em quatro produtos financeiros no contexto do programa.
Em primeiro lugar, cita o “financiamento e incentivos para a aquisição de derivativos [contratos financeiros cujo valor é derivado de outro ativo] e o estabelecimento de um mecanismo de proteção de contraparte contra riscos de crédito”, oferecendo derivativos de câmbio para cobrir investimentos alinhados ao Plano de Transformação Ecológica.
Na sequência, refere-se a um mecanismo de financiamento misto para mobilizar poupanças externas via mercados de capitais para a transformação ecológica (linha subsidiada).
O terceiro produto mencionado é um financiamento contingente para liquidez e minimização dos impactos das taxas de câmbio em projetos de investimento alinhados ao Plano de Transformação Ecológica. Segundo o texto do ofício, uma linha está sendo estruturada com o suporte do BID como um instrumento moderado de gerenciamento de risco cambial.
Por fim, fala em financiamento para a estruturação de projetos de Transformação Ecológica, acrescentando que um modelo de financiamento será projetado considerando outros existentes.
Ceron diz também entender que a cooperação técnica pode ser uma “janela de oportunidade” para que outros países emergentes se beneficiem da troca de experiências, especialmente no contexto do G20.
O investimento é estruturalmente baixo no Brasil há décadas. Para mudar esse quadro, o governo desenhou o plano de transição energética e criou o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Agora, pretende conectar essas duas iniciativas com programa de proteção cambial.
O programa não faz interferência no valor da taxa de câmbio nem se pretende “sujar” o sistema de câmbio flutuante, em que o preço da moeda é definido pelas condições do mercado. Esse ponto, inclusive, foi esclarecido ao presidente Lula quando o projeto foi inicialmente apresentado a ele.
Com o hedge cambial, uma empresa que pegou um financiamento externo ou investidor estrangeiro que fez um projeto voltado para a transição ecológica de painéis solares, por exemplo, terá um seguro contra a desvalorização da moeda caso se depare com uma mudança da taxa de câmbio ao longo da implementação.
Hoje, essa proteção é muito cara para projetos de longo prazo, tornando proibitivo esse tipo de seguro.
ADRIANA FERNANDES E NATHALIA GARCIA / Folhapress