SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Uma análise detalhada das relações de poder entre os sexos nas espécies de primatas relativiza a ideia de que os parentes mais próximos do ser humano sempre teriam sido regidos pelos machos. Segundo o novo estudo, 42% das sociedades formadas por essas espécies não contam com supremacia masculina, e tudo indica que essa característica também não estava presente no ancestral comum dos primatas atuais.
As conclusões saíram recentemente em artigo no periódico especializado Animals. O trabalho foi coordenado por Rebecca Lewis e Christopher Kirk, da Universidade do Texas em Austin (Estados Unidos).
Os pesquisadores usaram métodos estatísticos para examinar características sociais e biológicas de 79 espécies atuais de primatas, para estimar não só o quanto o domínio dos machos é comum como também os fatores por trás desse tipo de estrutura social.
Em geral, as sociedades de primatas costumam ser vistas sob a prisma da dominância masculina, em especial no caso das espécies de maior porte e mais conhecidas, como chimpanzés, gorilas e babuínos (além, é claro, do Homo sapiens).
A principal exceção são os lêmures, membros do grupo com anatomia mais primitiva e exclusivos da ilha africana de Madagáscar, no oceano Índico. Entre os lêmures, as fêmeas tendem a ocupar posições hierárquicas superiores aos machos. O mesmo vale no caso dos bonobos ou chimpanzés-pigmeus (Pan paniscus), única espécie de grandes símios africanos -os de parentesco mais próximo com o ser humano- em que isso ocorre.
Para verificar se de fato a dominância dos machos é tão generalizada assim, os pesquisadores compilaram, em primeiro lugar, dados sobre as espécies de primatas cuja história natural é bem conhecida o suficiente para se estabelecer como funciona a interação entre os sexos em suas sociedades.
As espécies foram separadas em dois grupos: as que se caracterizam por hierarquias dominadas por machos, de um lado, e as com hierarquias mistas ou dominadas por fêmeas, de outro. Os autores do estudo destacam que a classificação é provisória porque nem todos os primatólogos definem com clareza o que corresponde a cada categoria.
Além disso, os pesquisadores compilaram fatores sabidamente associados às assimetrias de poder entre os sexos. Os principais são o nível de dimorfismo sexual (diferenças anatômicas entre machos e fêmeas, em especial as de tamanho), a proporção entre os sexos na população, diferenças no tamanho dos caninos (relacionadas à agressividade e a disputas entre indivíduos) e a ocorrência conjunta ou não do estro (o popular “cio”) entre as fêmeas.
Esse último dado pode parecer curioso, mas ele influencia as disputas por parceiras e parceiros, e isso, por sua vez, tem efeitos na estrutura social. Há indicações de que o estro simultâneo das fêmeas, por facilitar a busca pelo acasalamento -já que há mais fêmeas sexualmente disponíveis no mesmo período- poderia diluir o poder de barganha delas no grupo e, assim, fazer a balança pender em favor dos machos, e o contrário pode acontecer se o estro não for simultâneo.
Colocando todos esses fatores na balança, os pesquisadores montaram uma análise estatística e evolutiva, tentando estimar não só quais as características que influenciam o equilíbrio de poder entre os sexos hoje como também a origem desse cabo de guerra na evolução dos primatas.
Com base nisso, além de concluir que o poderio dos machos não parece ter sido a “condição ancestral” dos primatas, os pesquisadores avaliam que essa estrutura social se tornou predominante com o surgimento dos catarrinos, ou macacos do Velho Mundo (o grupo que vai dos babuínos e mandris aos orangotangos, chimpanzés e seres humanos).
Mesmo entre os catarrinos, porém, situações mais igualitárias entre os sexos voltaram a evoluir quatro vezes: entre os bonobos, os gibões (grandes símios asiáticos de porte mais modesto e bem mais arbóreos que os demais) e dois macacos com rabo, os talapoins (encontrados em Angola) e os macacos-vermelhos (também africanos).
Conforme o esperado, espécies com machos proporcionalmente maiores e com caninos mais ameaçadores costumam ter mais dominância masculina. Por outro lado, nas espécies em que há uma proporção menor de fêmeas na população ou nas quais elas não ficam no cio ao mesmo tempo, aumentam as chances de elas serem dominantes ou ficarem no mesmo patamar que os machos. Nesses casos, elas têm maior poder de barganha e conseguem usar isso a seu favor.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress