RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Quem bebe no Armazém Senado, na rua do Senado, no centro do Rio de Janeiro, encosta os cotovelos no mesmo balcão usado por frequentadores de 100 anos atrás. Inaugurado em 1907, o bar manteve boa parte da estrutura original e o jeito de mercearia portuguesa.
Mas a comida ali servida sai da cozinha de um dos mais novos e celebrados bares da cidade. O Armazém Senado não oferece pratos e por isso cedeu o serviço ao estabelecimento vizinho, o Labuta, inaugurado em 2020 e que virou sensação jovem no último ano.
A rua do Senado foi nomeada assim porque abrigou o Senado da Câmara Municipal no século 18, uma casa legislativa diferente da Câmara do Rio atual. As terras pertenciam ao vice-rei José Luís Castro, o impopular conde de Resende, tratado pelo historiador Moreira de Azevedo como “homem colérico, amante do arbítrio e despotismo”. Resende batiza hoje a rua paralela a do Senado.
A rua do Senado tem cerca de 1,5 km de extensão e várias facetas. Moteis e casas de prostituição, famílias que moram em sobrados resistentes ao tempo –mas nem sempre à chuva e à falta de manutenção– e lojas centenárias ainda abertas. São galpões de consertos de eletrodomésticos, alfaiatarias, antiquários, botequins e mercearias, como o Armazém.
Lúcio Vieira, sócio do Labuta, comprou o ponto de um desses antigos botequins, fechado após um desentendimento entre os donos. O espaço tem 18 m² e não cabe a freguesia. O público então se espalha: uns ficam em cadeiras de praia na calçada, à moda dos bares modernos, outros vão para dentro do Armazém. Neste bate-bola em que o velho bar vende as bebidas e o novo, as comidas, jovens e fregueses antigos se misturaram.
“O público do Armazém começou a frequentar o Labuta. Os gerentes do Armazém, quando tem um cliente mais idoso, vão lá e pegam um petisco para eles. É uma parceria supersadia. A gente jamais teria feito o Labuta se não houvesse o Armazém”, afirma Vieira, que inaugurou no ano passado, na calçada oposta ao bar, o Braseiro Labuta, especializado em churrasco brasileiro.
Os novos bares, as rodas de samba no Armazém e o sucesso da feira do Lavradio, que acontece na rua transversal, estimularam empresários e artistas. Novos empreendimentos ainda serão inaugurados na rua do Senado, como o Mercado Central, que ocupará o casarão da antiga fábrica da farmácia Granado.
Financiado pela empresa de cosméticos, o local abrigará restaurantes, lojas e espaços de arte. O plano é inaugurar a primeira fase de atividades no segundo semestre.
“O projeto pretende ter bom diálogo com o entorno, interagir com os restaurantes, as lojas de roupas e a feira do Lavradio. Teremos uma diversidade com eventos culturais, festas, exposições de arte e shows”, afirma João Lamar, idealizador do projeto em parceria com Larissa Lopes.
Outras lojas, como brechós, já abriram no último ano, e a rua do Senado virou um ponto de encontro carioca, principalmente durante a tarde. Mas os preços subiram, segundo quem circula por ali.
O historiador da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Nielson Bezerra, ele próprio um antigo frequentador da região, observa um fenômeno de ocupação da classe média parecido com o que aconteceu em outras partes da cidade, como a Lapa (também no centro).
“Acho maravilhoso que os comerciantes tenham redescoberto. Isso gera emprego e renda. O problema é que a cerveja, que custava R$ 10, está dobrando de preço”, afirma Bezerra.
Segundo o historiador, o Rio dos vice-reis, no século 18, começava a ser ampliado em lógica colonial, o que expulsava a população negra para fora do centro administrativo. No entorno da Lapa nascia uma comunidade portuguesa de comerciantes.
“No fim do século 19, esses comerciantes vendem os casarões e a população preta retoma esse território. Por isso a rua do Senado tem história no Carnaval carioca, tem relação com os sambistas do Estácio da década de 1930. O que acontece é que a classe média branca, historicamente, vai atrás dessa população negra à procura de atrativos”, diz Bezerra.
O barbeiro Felipe Miranda, 39, parou de frequentar o local há dois anos. “Trabalho na região e a rua do Senado sempre foi uma boa opção para comer e beber barato. Mas estou preferindo parar em outras ruas. Tudo encareceu e o público não é o meu.”
Já Anderson Magela, 47, que nasceu e cresceu na rua do Senado, celebra a chegada dos novos frequentadores. Ele lamenta, porém, que seja um movimento localizado em um único trecho da rua.
“Toda e qualquer ocupação que traga benefícios é bem-vinda. A rua do Senado é extensa e boa parte dela não tem movimentação alguma de comércio”, diz. Para Magela, a chegada dos bares trouxe jovialidade ao lugar e a permanência do Armazém manteve o equilíbrio das tradicionais rodas antigas. “A rua só melhorou com essa nova frequência. Uma pena que seja somente naquele trecho ali e que o resto permaneça abandonado.”
YURI EIRAS / Folhapress