O dia em que atrapalhei a reeleição de Welson Gasparini

Welson Gasparini faeceu nesta segunda-feira (04) | Foto: Alesp

Por Eduardo Schiavoni 

Como eleitoral, ajudei a eleger Welson Gasparini prefeito pela quarta vez, na eleição de 2004, quando venceu o hoje deputado Baleia Rossi (MDB) em uma virada história e empolgante, protagonizada, em boa medida, pelo polêmico Fernando Chiarelli – Rossi era alvo preferencial de Baleia na campanha, o que favoreceu o crescimento de Gasparini na reta final da campanha.

E como jornalista, em 2008, ajudei Gasparini a perder a disputa da sua reeleição, embora meu voto, enquanto cidadão, também tenha sido dele.

Conto e explico.

Tinha então meus vinte e poucos anos e, durante seu governo, tive minha primeira experiência como jornalista em veículos de comunicação – era o setorista de Política no Jornal A Cidade, ainda pertencente à família Lopes de Camargo.

No jornalismo, entretanto, não existe – ou não deveria existir – políticos de estimação. E essa máxima, que levo para minha carreira, aplica-se ainda mais a pessoas pelas quais tenho estima, como era o caso do ex-prefeito.

Gasparini fez um quarto mandato como prefeito aquém das expectativas. Formou um corpo de assessores envelhecido e que não dispunha das mesmas condições anteriores de dar resolução aos problemas que a cidade apresentava. Realizou pouco, mas mesmo o pouco que realizou acaba se perdendo em meio ao mar de críticas que sua gestão, às vezes injustamente, sofria na mídia.

Especialmente por parte da imprensa, que não recebia as fartas verbas de comunicação implementadas pela prefeitura Dárcy Vera e mantidas e ampliadas por Duarte Nogueira.

Mas Gasparini era um homem extremamente cordato e que administrou a cidade de forma a, bem ao estilo do PSDB, fazer a máquina andar sem quebrar. Em termos de gestão, fez uma gestão bem satisfatória.

Prefeito por quatro vezes, nada mais natural que pleiteasse a reeleição. A adversária, entretanto, seria Dárcy Vera, que fez uma mega coligação partidária e vinha da mais expressiva eleição de um deputado de Ribeirão Preto à Assembleia Legislativa de São Paulo, onde teve votação história.

Com esse cenário, em certa feita, no final da campanha eleitoral de 2008, Gasparini, muito atrás nas pesquisas, que demonstravam amplo domínio de Dárcy Vera – ela viria a ser eleita naquela eleição – começou a registrar crescimento na semana que antecedia o pleito.
Um crescimento lento e constante, acompanhado de uma queda lenta e constante de Dárcy Vera. O segundo turno, que era uma questão impossível, passou a ser uma realidade.

E ai eu entro nessa história.

Meu avó paterno, Zualdo, já com câncer à época, era um grande fã de Gasparini, que, como ele, também foi morador da Vila Tibério. E, sabendo que eu atuava diretamente na cobertura de política, e tendo acesso aos políticos, pediu-me que pedisse ao Gasparini para passar em sua residência. Queria conversar com o político que tanto gostava.

Faltando menos de quatro dias para a eleição, fui escalado para acompanhar o dia do prefeito Welson Gasparini. Primeiro, um evento no Centro de Eventos Ribeirão Preto, pela manhã.

Aproveitei o intervalo do evento e me aproximei de Vicente Seixas, então secretário de Comunicação de Gasparini. E fiz o pedido: se por acaso passassem pela Vila Tibério, que parassem para tomar um café com meu avô. Expliquei o estado de saúde dele, desculpei-me pelo pedido e fiz questão de esclarecer: é uma vontade do velho, mas não significa que isso vá alterar em qualquer medida meu trabalho profissional.

Seixas, que é um verdadeiro Lord, notou o endereço e, de pronto, informou que eles passariam sim pela casa do meu avô.
Depois do almoço, o programa era uma caminhada pela rua Henrique Dumunt, na Jardim Paulista.
Eu não gosto do Jardim Paulista, como vocês sabem. Não exatamente pelo bairro, ou pelas pessoas que nele moram, mas pela, digamos, presença esportiva que emana daquela região.

Mas fui.

E vejo, durante a caminhada, um batalhão de assessores, aspones e, no meio deles, noto um Secretário, em horário de trabalho, com camisa cheia de botons de santinhos pregados até na testa.

Oriento meu fotógrafo, Firmino Luciano Piton – um dos maiores mestres da imagem com quem já trabalhei a registrar a imagem.
Acompanhou o prefeito e, ao mesmo tempo, sinalizo à redação: tem secretário fazendo campanha em caminhada no horário de trabalho. Isso é irregular.

Ao final do trajeto, chego até o secretário e questiono se ele estava efetivamente em horário de trabalho. Ele dá uma desculpa. Aproximo-me de Gasparini, pergunto a ele sobre a presença do assessor, e ele se limita a dizer que a presença de apoiadores não foi cobrada nem solicitada. Nenhuma palavra sobre o fato em si.

Rápido, Seixas retira o prefeito do local.

Chego na redação e ouço imediatamente o Ministério Público, que confirma: é irregular mesmo. Procuro nos documentos oficiais, e vem a demonstração que o servidor em questão não estava em férias, nem licença. Estava no pleno exercício de suas funções.

A prefeitura é ouvida, e nega irregularidade. Mas a manchete está pronta e, sabia eu, influenciaria no resultado das eleições.

Profundamente arrependido de ter pedido a visita de Gasparini, recebo uma ligação do prefeito, perto das 22 horas. Gasparini argumenta que o assessor estava em férias. Não pede, mas entendo que o motivo da ligação era impedir que a matéria fosse publicada.

“Prefeito, já que estamos nessa situação, vou dizer uma coisa. Meu voto na eleição de domingo é seu, particularmente torço para que o senhor seja reeleito. Mas não tem como não publicar essa matéria”.

Gasparini ainda argumenta, e eu, completamente arrependido do pedido que havia feito, ouço um suspiro do outro lado da linha. “Você disse que seu avô é meu eleitor, e agora disse que também é meu eleitor. E sua matéria vai fazer com que eu perca a eleição”.
Desligamos.

A manchete do Jornal A Cidade foi bombástica. No dia seguinte, a prefeitura publicou, no Diário Oficial, um pedido de licença com data retroativa do servidor em questão. Acertou-se a situação para impedir repercussões maiores.

Ministério Público abriu inquérito para apurar o caso, e a manchete do jornal foi utilizada, nos últimos dois dias, como assunto principal da campanha de Dárcy Vera, que explorou até o fim o caso.

Após o caso, o crescimento de Gasparini estancou. Assim como a queda de Dárcy Vera.

Na apuração dos votos, esperei, ansioso, que os votos da Vila Tibério – último colégio eleitoral a ser totalizado – não falhassem e dessem a Gasparini a possibilidade de disputar o segundo turno.

Não foi o que ocorreu.

Talvez seja um pouco de pretensão, mas levo até hoje o peso nas costas de, por fazer o meu trabalho, “atrapalhado” o crescimento de Gasparini e, indiretamente, ter “ajudado” a eleição de Dárcy Vera.

Terminada a apuração, ainda no domingo, resolvo passar na casa dos meus avós, na rua Paraíso, em Vila Tibério. Sou recepcionado pelo velho, que me dá um abraço e lamenta a derrota de Gasparini.

– Acredita que ele passou aqui no sábado? Agradeceu o carinho, me chamou pelo nome. Disse que sabia que eu era o seu avô e elogiou seu trabalho. Até tomou um café comigo e com sua avó.

Das inúmeras lembranças que guardo desta verdadeira lenda da política ribeirão-pretana, com quem convivi apenas profissionalmente, essa talvez seja a mais relevante.

Ao passo em que a matéria que eu, como jornalista, fui obrigado, por dever profissional, a escrever, pode ter tirado a chance de reeleição dele, ainda assim atendeu ao pedido e fez a visita que prometera.

Morre um homem digno. E Ribeirão, uma vez mais, tem sua política empobrecida.