Putin já prepara festa da vitória numa apática Moscou

MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – O presidente Vladimir Putin já escolheu o palco para a celebração de sua antecipada vitória na eleição que ocorre de sexta (15) a domingo (17) na Rússia: a icônica praça Vermelha.

E palco, no caso, não é uma metáfora. Trabalhadores colocavam nesta segunda (11) de pé uma grande estrutura no coração de Moscou, ao lado do Kremlin e com as curvas nada ortodoxas da catedral de São Basílio ao fundo.

Daqui a uma semana, um dia depois do pleito que irá reconduzir Putin a mais seis anos no poder, será celebrado ali o décimo aniversário da anexação da Crimeia pelos russos, evento que está na origem da guerra que hoje devasta a Ucrânia e reformula a arquitetura de segurança mundial.

O estilo do cartaz anunciando o evento é minimalista, mas revelador. “Rússia – 10 anos no porto caseiro”, diz o texto sobre o palco, enquanto o cartaz nos alambrados da pequena obra proclamam: “Primavera russa – 10 anos no porto caseiro – Rússia. Crimeia. Sebastopol”.

No seu discurso anual ao Parlamento, no fim de fevereiro, Putin já havia usado o termo “primavera russa”, uma tentativa de apropriação das “primaveras”, ou “revoluções coloridas” que assombram o Kremlin desde os anos 2000.

Vistas no governo russo como operações dos EUA para desestabilizar os laços entre Moscou e seus antigos satélites soviéticos, como na versão rosa georgiana de 2003 ou na laranja ucraniana, de 2004, esses movimentos foram alvo de crítica perene de Putin —a anexação da República da Crimeia e da Cidade Federal de Sebastopol, na península, foram reação à derrubada de governo pró-Rússia em Kiev, em 2014.

Seja como for, o cenário está literalmente sendo montado. Putin tem mais de 80% de aprovação popular, segundo pesquisas independentes, e as sondagens mais recentes lhe davam cerca de 65% de intenção de voto nos três dias de sufrágio —pela primeira vez, será possível ir às urnas de forma antecipada, embora o dia 17 siga sendo o centro do calendário eleitoral.

Putin enfrenta outros três candidatos anódinos, parte do jogo partidário russo. Dois outros nomes que haviam surgido com discursos de oposição clara foram desqualificados pela Comissão Central Eleitoral e, claro, alegaram perseguição.

Dificilmente, dentro da ossificação do sistema político russo, eles teriam chance de todo modo. Mesmo o mais vocal crítico de Putin, Alexei Navalni, nunca teve grande densidade eleitoral. Seu legado após a morte em uma cadeia no Ártico, sob circunstâncias ainda obscuras em fevereiro, é mais simbólico.

Nesta segunda, a especialista em direitos humanos na Rússia da ONU afirmou que o Estado é responsável pela morte de Navalni, seja por negligência nas suas condições de encarceramento, seja por assassinato. “O governo russo é responsável, de uma forma ou de outra”, disse Mariana Katzarova à agência Reuters em Genebra.

Sua viúva, Iulia, e aliados convocaram um ato para o domingo, que terá como sempre policiamento reforçado no país todo. É incerto o grau de adesão, até por sua natureza: ela sugeriu, a partir de uma ideia de Navalni, que todo eleitor anti-Putin vá votar às 12h.

O palco na praça Vemelha, ainda que relacionado a um evento paralelo à eleição, é dos poucos sinais de que há uma eleição à vista na capital russa. Há cartazes em pontos de ônibus com o resumo da biografia de Putin, minúscula como que para destacá-lo visualmente, e entediantes currículos dos outros desconhecidos rivais.

Um outdoor eletrônico fala em prosperidade sob Vladislav Davankov, candidato do partido Novo Povo na rua Nova Arbat. Putin mesmo nem aparece em fotos: há uma campanha chamada Projetos Nacionais, vendendo de forma algo etérea realizações atribuídas ao Kremlin, ocupando pequenos cartazes nas ruas.

“Vamos votar no presidente”, disseram Sacha e Dima, jovens que se apresentaram pelos diminutivos junto à estação Maiakovskaia do metrô. Com cerca de 20 anos, eles só viram Putin no poder em seu tempo de vida, mas se fiam nas más memórias do pais acerca dos anos entre o fim da União Soviética em 1991 e a ascensão do atual líder, em 1999.

“Tudo era pior”, disse Sacha. De fato, indicadores econômicos e sociais melhoraram abruptamente ao longo de quase duas décadas e meia. E a guerra? “É a coisa certa a fazer”, afirmou Dima.

A apatia eleitoral, contudo, não é diferente da observado em outras ocasiões, como em 2000 com a ratificação de Putin no poder, ou quando ele levou o pupilo Dmitri Medvedev a sucedê-lo oito anos depois —mantendo o controle ao assumir a posição de premiê.

IGOR GIELOW / Folhapress

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